Nos tempos dos conquistadores romanos, a guarda pretoriana — muito bem armada e formada por legionários absolutamente fiéis — era usada pelos imperadores como instrumento de validação de suas leis pela força e, no extremo, encarregada de matar inimigos e opositores, à revelia do devido ordenamento jurídico.
Ao lado dela, uma espécie de serviço de inteligência pessoal constituía-se para abastecer os césares de informações estratégicas sobre eventuais sabotadores de seu poder absoluto. Eis que nos dias atuais o caudilho bananeiro Jair Messias Bolsonaro expôs abertamente aos comandados um modelo muito semelhante de atuação.
Tendo, de um lado, o que deseja ser o povo armado — “todo mundo armado”, como berrou na fatídica reunião de 22 de abril diante de ministros e generais impassíveis —, e, do outro, um aparelho pessoal de investigação para bisbilhotar clandestinamente supostos adversários do comando central.
O “césar” Messias admitiu publicamente que conta com um grupo paramilitar “meu”, particular, que “funciona muito bem”, em gritante confronto constitucional.
A Carta Magna desautoriza o chefe de Estado a dispor de aparato policialesco privado para qualquer fim. Mas no léxico bolsonarista, desobediência à Lei é pleonasmo. Com a exigência de contar com o “povo” armado o mandatário pretende, por sua vez, lutar contra a imaginária ditadura que habita seus piores pesadelos.
Vale a lembrança: a “ditadura” referida está sentada no STF, no Congresso, nas cadeiras de governadores e prefeitos — nos demais poderes em geral — que resistem aos intentos totalitários do capitão.
Ditadura para Bolsonaro são os freios e contrapesos que frustram seus planos anárquicos, investigam filhos e amigos diletos, não lhe passam informações estratégicas e controlam os notórios excessos do inquilino do Planalto. Os “camisas pardas” de Bolsonaro funcionariam, assim, dentro de uma lógica miliciana, intimidando autoridades de Estado, a imprensa, juízes e parlamentares, “comunistas”, os supostos inimigos, como de hábito já o fazem.
O “mito” deseja estar acima e à margem da lei, talkey? Por intermédio da guarda pretoriana e do esquema de inteligência secreto, ninguém pode lhe segurar, acredita. E daqui para frente estará tudo dominado. Na Polícia Federal, que ele jurava não interferir — mas cujas evidências deixaram provada e comprovada a sua influência —, a troca na direção, afastando desafetos (sem nenhum demérito técnico), foi seguida de um aparelhamento inédito da estrutura inteira.
O novo chefe da PF, poucos dias após assumir, publicou 99 portarias de uma só vez no “Diário Oficial”, cada uma delas dispondo sobre a troca de um a cinquenta ocupantes de cargos, modificando por completo a composição da polícia, de alto a baixo, nos diversos escalões. Um rearranjo vergonhoso, feito à plena luz do dia, para acomodar os interesses do capitão.
Ato seguinte, uma operação foi disparada contra o maior alvo e eventual adversário político de Messias: o governador do Rio, Wilson Witzel. Para além do mandado em si – de resto bem fundamentado por suspeitas de desvio —, o que salta aos olhos é a flagrante informação privilegiada dada de véspera às hostes bolsonaristas, que já se vangloriavam publicamente, por meio de entrevistas e posts nas redes, da revanche da investigação, antes mesmo de ela ocorrer.
Como é possível tamanho vazamento “devidamente oficializado”, para a felicidade do mandatário, que dava gargalhadas ao lado de apoiadores apreciando o sabor da vingança?
Não é de hoje, Bolsonaro avilta a presidência e está disposto, num anseio stalinista, a conspirar contra a República, ao lado de seus grumetes ideológicos que lhe dão guarida. “Por mim botava esses vagabundos na cadeia, a começar pelo STF”, grunhiu o pseudo ministro da Cultura, Abraham Weintraub, na reunião da esbórnia, enquanto a colega, Damares Alves, paradoxalmente responsável pelos Direitos Humanos, sugeria pedir a prisão de governadores e prefeitos.
O presidente em pessoa tem clamado por “intervenção militar”. Desafia sobranceiramente as deliberações da Suprema Corte e tenta destruir o pináculo da estrutura democrática nacional que é a harmonia dos poderes.
A conduta do chefe da Nação evidencia delitos em série, cometidos por alguém que se sente protegido por sua guarda pretoriana de delinquentes.CARLOS JOSÉ MARQUES
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