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sábado, 24 de fevereiro de 2018

A VIDA SOB INTERVENÇÃO

Por ipuemfoco   Postado  sábado, fevereiro 24, 2018   Sem Comentários


Um delegado de polícia, uma moradora de Ipanema e um ativista da Rocinha­­. 

Acompanhamos a rotina de três cariocas ao longo da última semana para mostrar o que mudou e o que ainda precisa melhorar para que a cidade se torne de fato mais segura.


O carioca mistura os sentimentos de esperança e suspeita quando o assunto é a intervenção federal em vigor desde a sexta-feira 16 na segurança pública em todo o estado do Rio de Janeiro. 

“Torço, como todos, para que essa intervenção seja bem sucedida e que tenhamos um pouco de paz. Um pouco, não. Queremos paz completa. Não é pedir muito, é?”, indaga a gerente comercial Kika Gama Lobo, 53 anos, moradora de Ipanema. Criadora da hashtag “Rio de Merda”, ela diz ter sido hostilizada por sua postura crítica em relação à segurança. 

“Criei isso depois que minhas duas filhas foram assaltadas. Foi meu meio de desabafo e de colaboração. Ali, falo de roubalheira, de falta de ética – e elogio também”. 



Assim como ela, moradores das zonas nobres da cidade dizem não ter percebido uma diferença significativa nas ruas durante a primeira semana de intervenção. Isso porque os tanques, blindados e soldados das Forças Armadas não ocupam os pontos turísticos e bairros da zona sul – como já ocorreu em eventos de grande porte, como os Jogos Olímpicos de 2016. 

As ações começaram em locais estratégicos, com a ocupação de rodovias federais e estaduais, varredura em presídios e patrulhamento de favelas violentas. Em uma delas, a do Kelson’s, no Complexo do Alemão, uma moradora foi torturada por traficantes na segunda-feira 19. O motivo: suspeita de ter passado informações do tráfico para agentes das Forças Armadas.

Nascido e criado na favela da Rocinha, na zona sul, Leandro Lima, 35 anos, viveu uma dramática experiência tempos atrás, quando foi parado, numa viela por policiais do Bope. 

“Eu estava indo para o trabalho e um policial começou a me fazer perguntas com uma arma apontada para minha cabeça e o dedo no gatilho. Eu só pensava que se algum mal entendido acontecesse e o dedo dele apertasse, minha vida acabaria ali.” 

Lima é cameraman da TV Globo, mora na parte alta da favela e dirige a mídia comunitária FaveladaRocinha.com, que distribui um jornal impresso na comunidade e está presente em mídias sociais. Ele faz parte do grupo que gravou o vídeo “Dicas para Sobreviver a Uma Abordagem Indevida”, que aconselha ao jovem negro de favela, por exemplo, a não usar guarda-chuva de cabo longo pois isso pode ser confundido com uma arma e a carregar o cupom fiscal de qualquer objeto que ele esteja portando, seja um iPhone ou um cordão para comprovar a compra e descartar o roubo. 

“Os moradores de favelas estão apreensivos porque têm sofrido incursões truculentas ao longo dos anos, sem solução para eles. Não são tratados como cidadãos, as portas de suas casas podem ser arrebentadas por chutes”, diz Lima. “Para nós, é mais do mesmo. A pior violência que sofremos nas favelas não é a da falta de segurança e, sim, da falta de saneamento básico, transporte, posto de saúde, educação, cultura”, afirma.

O Delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), Orlando Zaconne, 54 anos, disse à ISTOÉ que o clima entre os policiais também é de inquietação: 

”O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto.” O delegado lembra que a intervenção está sendo discutida e espera-se que haja “garantia democrática do exercício da função policial.”

Não são poucos os especialistas em segurança pública ou da área acadêmica que duvidam do bom resultado da operação comandada pelo general Walter Souza Braga Netto, em especial por dois motivos: a indefinição sobre o aporte financeiro federal para suprir as graves necessidade da Polícia e pelo desconhecimento de qual será o plano de segurança pública para o estado. 

Para o antropólogo Rubem César Fernandes, também fundador da ONG Viva Rio, o povo fluminense “já teve muitas esperanças de combate à violência que levaram à desilusão.” Uma delas, foi o projeto Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que “mostrou o caminho a partir de 2008 e chegou à decadência nos últimos anos.” 

A suspeição se deve, especialmente, aos confrontos com armas em favelas onde a maioria dos moradores é de cidadãos honestos, mas que, infelizmente, vivem em áreas controlados por bandidos. 

“E ninguém aguenta mais tanto tiro”, diz o antropólogo. Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que a “motivação é política e está longe de significar solução para a questão da segurança pública no estado.” 

Ele frisa a importância de destinação de verbas para recuperar o aparato policial do Estado, contratar policiais ou recuperar viaturas.

Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário do Rio e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), diz que a intervenção pode momentaneamente transmitir sensação de segurança. “Mas se não resolvemos algumas questões básicas, não vamos a lugar nenhum.” 

Questões básicas são a corrupção dentro da polícia e a estratégia de enfrentar o varejo do tráfico à bala. No início da semana, uma operação policial em Caxias, na Baixada Fluminense, deixou um homem morto e outras duas pessoas feridas, entre elas uma criança. Revoltados, moradores atearam fogo em um ônibus ­­— cenas que a intervenção ainda não foi capaz de suprimir da rotina do Rio.

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