O avanço das emendas parlamentares como principal fonte de custeio da saúde pública mudou a rotina financeira
dos municípios brasileiros e expôs a área às oscilações provocadas pela política.Nesta terceira reportagem da série, o PontoPoder ouviu especialistas e representantes políticos para responder a uma questão central: é possível reduzir essa dependência e garantir previsibilidade ao financiamento da saúde?
Conforme mostram as reportagens desta série, de um lado, prefeitos acumulam gastos cada vez maiores para manter o funcionamento básico do SUS. De outro, cresce o alerta sobre a origem dos repasses federais, cada vez mais concentrados nas emendas indicadas de forma discricionária por deputados e senadores.
Para a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a combinação desses fatores revela um desequilíbrio estrutural. Segundo o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, a defasagem dos programas federais e o subfinanciamento se acumulam há anos, empurrando para os municípios responsabilidades superiores à sua capacidade fiscal.
“Os Municípios arcam com 76,4% de todo o custeio da Atenção Primária à Saúde, quando deveria ser financiada pelas três esferas de gestão (...) e a permanência ou prolongamento desse cenário pode levar alguns Municípios ao colapso econômico sim, o que é bem preocupante”, afirmou, com base em estudos da instituição.
A situação se agrava diante da instabilidade das emendas parlamentares, tema abordado na segunda reportagem da série. Os valores são definidos de forma individual pelos parlamentares, que geralmente adotam critérios políticos na escolha.
“A orientação da CNM é para que os gestores não substituam o pagamento de despesas permanentes por recursos de emendas parlamentares”
Em busca da estabilidade financeira
Para Júlia Pereira, gerente de relações institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), a fragmentação do orçamento federal é, atualmente, um dos principais obstáculos a projetos de longo prazo. A instituição divulgou, neste segundo semestre, o boletim “Radar+SUS nº 6 — Emendas parlamentares no SUS: recursos incertos para despesas permanentes”.
Segundo a pesquisadora, a pulverização das emendas compromete a capacidade de planejamento da União e dificulta iniciativas estruturantes.
“Para fazer um investimento de grande porte é preciso direcionar um montante significativo de recursos. Hoje, isso não é possível porque o orçamento está muito fragmentado pelas emendas. Não tem um planejamento unificado”
Além disso, a volatilidade traz riscos imediatos às gestões locais. “Imagine um município que hoje recebe e amanhã não recebe. Se está usando o recurso para pagar pessoal, terá de direcionar verba de outro lugar”, acrescentou.
Diante desse cenário, Júlia enxerga alternativas, ainda que haja fortes entraves políticos. Uma das sugestões envolve tornar mais claras as prioridades do Ministério da Saúde.
“Já existe um manual que o Ministério entrega aos congressistas com prioridades, mas ele é bem abrangente, por isso abarca tudo. Então, talvez um maior direcionamento por parte do Ministério junto ao Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e ao Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), criando grandes linhas prioritárias, pudesse ser uma solução”, afirmou.
Outra proposta, defendida por prefeitos, é distribuir parte das emendas com base em critérios como o FPM. Júlia, porém, acredita que a ideia dificilmente avança. “Para mim é meio contrassenso porque já existe um piso, um recurso repassado. Os deputados perderiam margem de apontar recursos. Acho difícil isso vingar”, completou.
Para a CNM, sem uma revisão do pacto federativo e do financiamento tripartite do SUS, nenhuma solução será duradoura. A entidade defende a atualização dos critérios de rateio e maior aporte da União e dos Estados.
“Precisamos urgente pautar o financiamento do SUS (…) É necessária uma revisão do modelo, das competências federativas e dos pactos entre os Entes, garantindo maior aporte de recursos da União e dos Estados”, cobrou Ziulkoski.
Júlia Pereira também ressalta que, enquanto o orçamento discricionário permanecer altamente influenciado pelas emendas — hoje próximas de metade dele —, os municípios continuarão vulneráveis.
O papel da política
No Congresso, a percepção é distinta. Para o coordenador da bancada federal do Ceará, Domingos Neto (PSD), a atuação dos parlamentares é fundamental para corrigir desigualdades regionais. Ele afirma que restringir as emendas poderia prejudicar estados como o Ceará.
“Criminalizar a emenda dessa forma, em termos genéricos, não é a solução. Se alguém fizer alguma coisa errada, esse tem que ser punido. Por isso que nós votamos a lei complementar que exige o plano de trabalho e a prestação de contas, isso passa pelo Ministério da Saúde e existe um teto que o município pode receber em cima dos serviços que ele presta. Então, nesse ponto, isso não é o fundamental"
O deputado sustenta que o fluxo de recursos depende de articulação contínua entre bancada, gestores e instituições — e que o alinhamento entre prefeitos e parlamentares faz parte do processo político.
"O fundamental é que, se a gente esperasse que o Ministro da Saúde fosse justo com o Ceará, o dinheiro ia todo para São Paulo e não vinha para o Ceará. Sem deputados e senadores brigando aqui, se não fosse a política intercedendo, não seriam os técnicos do Ministro da Saúde que saberiam ser justos com o que o Ceará precisa", finalizou.
Série de reportagens
A primeira reportagem deste especial mostrou como a saúde pública se tornou o principal destino das emendas parlamentares enviadas ao Ceará, que devem ultrapassar a marca de R$ 1 bilhão em investimentos ao longo do próximo ano.
A segunda reportagem mostrou que a saúde pública sofre ameaça por falta de previsibilidade no custeio.PONTO DO PODER
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