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segunda-feira, 16 de junho de 2025

A INFLUÊNCIA DO PERFIL RELIGIOSO NA POLITICA BRASILEIRA

Por ipuemfoco   Postado  segunda-feira, junho 16, 2025   Sem Comentários


Redução do número de católicos, crescimento — ainda que em ritmo mais lento — dos evangélicos e aumento

acentuado de adeptos de religiões de matriz africana e daqueles que se declaram sem religião


Essas mudanças no perfil religioso da população de 10 anos ou mais residente no Brasil, reveladas no início deste mês pelo Censo 2022, não impactam apenas os dados demográficos, mas indicam transformações sociais profundas, com reflexos no eleitorado e na ocupação de cargos de poder, e influenciam nos rumos e prioridades da política.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os católicos seguem com ampla margem de vantagem sendo o grupo religioso com maior número de fiéis no País, totalizando 56,7% da população em 2022, quando o questionário foi aplicado. Apesar de hegemônico, o grupo vem em tendência de queda. Em 2010, por exemplo, os católicos eram 65,1% dos brasileiros; já em 2000, representavam 74%. 

Católicos no Brasil

  • 2010: 105,4 milhões (65,1%)
  • 2022: 100,2 milhões (56,7%)

Por outro lado, os evangélicos têm ampliado suas bases. Em 2000, eles representavam 15% da população; em 2010, o grupo totalizava 21,6%; já no Censo mais recente, de 2022, chegou a 26,9%. 

Evangélicos no Brasil

  • 2010: 35 milhões (21,6%)
  • 2022: 47,4 milhões (26,9%)

A proporção de pessoas que se declararam sem religião teve um aumento entre 2010 e 2022, passando de 7,9% para 9,3%. Também houve aumento nos praticantes de umbanda e candomblé — de 0,3 % em 2010 para 1,0%, em 2022 — e outras religiosidades — de 2,7% para 4,0%. Entre os dois censos, a doutrina espírita sofreu um declínio, passando de 2,2% da população para 1,8%. As religiosidades de tradições indígenas representaram 0,1% das declarações.

Católicos, uma maioria ‘multifacetada’

Hegemônica no Brasil a partir do avanço da colonização portuguesa, a religião católica tem uma adesão que supera a metade da população.

Segundo Priscila Lapa, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ao tratar de valores políticos, além dos dados quantitativos de católicos no País, há ainda uma fatia ampla de pessoas que, mesmo não professando a fé católica, compartilham das tradições dessa religião e consideram isso na escolha eleitoral, por exemplo.

“A igreja católica tem essa característica de unicidade, mas, ao mesmo tempo, de mais flexibilidade na frequência dos seus rituais. Isso talvez impeça que a gente consiga perceber de uma forma mais sistemática ou mais blocada o que seria o voto católico, o comportamento eleitoral católico”, afirma.

“Apesar disso, podemos alinhar uma parte desse segmento com os conservadores, porque eles comungam das mesmas pautas que os evangélicos em questões como o aborto e a formação dos núcleos familiares”
Priscila Lapa
Doutora em Ciência Política pela UFPE

O professor Antonio George Paulino, coordenador do Laboratório de Antropologia e Imagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), define como “multifacetado” os vieses políticos dos fiéis católicos.

“Nele se encontram manifestações conservadoras e progressistas. A renovação carismática católica é a expressão dominante na igreja contemporânea. Seu alinhamento ideológico é diferente de outra expressão da igreja, que são as comunidades eclesiais de base, alinhadas à teologia da libertação. Papa Francisco, falecido em abril deste ano, queria uma Igreja mais aberta ao espírito das CEBs. Uma forma de atuar pela fé, na política, em solidariedade com os movimentos sociais, portanto, com um alinhamento ao espectro de esquerda, mas a força dominante na Igreja é conservadora”, avalia o pesquisador.

Para o professor, ao tratar de pautas morais, católicos e evangélicos têm zonas de convergência.

“Não supomos que mude alguma coisa no modo de fazer política dessa vertente, pois em relação às pautas econômicas e antipopulares mobilizadas pela extrema direita no Brasil, bem como no que se refere às pautas morais conservadoras, antifeministas, sexistas e de agressão ao meio ambiente, não há disputa entre evangélicos e católicos no parlamento: são forças aliadas e o modo de fazer política não se diferencia”
Antonio George Paulino
Professor e coordenador do Laboratório de Antropologia e Imagem da UFC

Priscila Lapa e George Paulino também são unânimes em ressaltar que independentemente de qual religião é analisada, há “nuances” e “segmentos” que divergem das visões políticas majoritários nos respectivos grupos. 

“A Igreja católica tem o movimento de base com uma origem mais identificada com movimentos políticos de esquerda progressistas do que propriamente com movimentos conservadores. Isso pode não gerar um voto católico necessariamente majoritário progressista, mas tem ali dentro um voto menos radical dentro da agenda católica”, acrescenta Lapa.

Para Paulino, uma forma dos católicos reverterem a perda de fiéis pode estar justamente dentro de um espectro político. “Talvez a Igreja pudesse pensar em mudar seu modo de fazer política nesse aspecto e não perder fiéis que se sentem discriminados por sua orientação sexual, um tema político de extrema atualidade e que não está presente nas bancadas cristãs em diferentes regiões do país”, afirma.

Evangélicos em ritmo de crescimento e influência

Já os evangélicos, na avaliação dos pesquisadores, têm suas segmentações, mas possuem um viés político mais homogeneizado se comparado a outras religiões. “Existem os grupos mais radicais, os menos radicais, aqueles que têm o voto influenciado por questões religiosas, aqueles que flexibilizam mais, há vertentes que se intrometem mais, outras que são mais sutis, então existem essas nuances, mas é possível criar com mais facilidade uma grande categoria do voto evangélico”, aponta pesquisadora Priscila Lapa.

Um dos indícios tanto desse crescimento quanto dessa homogeneidade é que, assim como os adeptos têm crescido no Brasil, os evangélicos têm assumido espaços de poder e possuem um posicionamento político amplamente majoritário mais alinhado a valores conservadores de direita. O cientista social George Paulino aponta que esse movimento não é recente, mas tem ganhado força ao longo do tempo.

“Desde o final dos anos 1980, lideranças religiosas evangélicas estão inseridas em espaços de poder dentro da política partidária. Fazem parte do processo histórico em que as diferentes denominações, num cenário de secularização e laicidade, disputam espaço num contexto dialógico, regulado por leis. Nesse sentido, essa vertente tem alcançado conquistas dentro do Estado laico, com algumas leis de reconhecimento da cultura evangélica no país, sancionadas durante os governos Lula e Dilma”, afirma.

Em entrevista ao Diário do Nordeste no fim do ano passado, o pesquisador e escritor cearense André Ítalo Rocha, autor do livro "A Bancada da Bíblia", falou sobre esse engajamento. 

Na obra, que investiga o funcionamento do braço das igrejas evangélicas no Congresso Nacional e de que maneira essa vertente do cristianismo passou a colocar na política, ele aponta que a bancada evangélica, após a redemocratização, partiu de um total de 32 deputados. Atualmente, ele contabiliza entre 90 e 100 parlamentares — de um total de 513 — vinculado à religião evangélica. No Senado, há entre 10 a 15, de um total de 81, segundo ele. 

Entre os especialistas ouvidos, há consenso de que a esquerda enfrenta mais dificuldades para acessar e dialogar com o eleitorado evangélico — e, portanto, acessar os espaços de poder com apoio desses grupos, apesar das tentativas de aproximação. No último mês de maio, por exemplo, o PT lançou o curso "Fé e Democracia para Evangélicos e Evangélicas" para aprimorar a interlocução entre seus filiados e os evangélicos. 

Lula e ministro cantando com grupo de evangélicos no Palácio do Planalto
Legenda: Lula em encontro com evangélicos durante evento em outubro de 2024 no Palácio do Planalto
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

“No Brasil, as igrejas evangélicas surgem em bases muito comunitárias, em locais onde o Estado não chega e, muitas vezes, a igreja católica não conseguiu criar e manter o movimento de conexão. Essas igrejas servem como um local de conforto e interação social que o Estado não proporciona, tem-se a ideia ali de que se está sendo escolhido dentro de um processo de carências”, aponta Priscila Lapa.

“A esquerda chega tarde no entendimento desse movimento de quais são as pautas que precisam ser trazidas, qual é a agenda desse segmento e fica descolada de um de um processo que já tá resolvido, já está posto. Então, o desafio agora da esquerda é trazer uma agenda que conecte com essas ideias centrais do movimento evangélico, mas que possam gerar um movimento de expansão, um movimento de conexão novamente”, afirma.

Um dos avanços mais significativos da representação evangélica ocorreu com a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Em sua campanha e durante o governo, o mandatário exaltou esse setor religioso, defendendo pautas caras aos evangélicos e mantendo interlocução com lideranças religiosas, como pastores — alguns indicados para integrar seu primeiro escalão de governo. 

Durante a gestão, Bolsonaro chegou a usar como um dos critérios para a escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF) o fato dele ser “terrivelmente evangélico”, indicando André Mendonça para compor a Corte.

Para Priscila Lapa, por conta das próprias tradições é mais fácil mapear esse alinhamento à direita dos evangélicos se comparado a outras religiões.

“O movimento evangélico tem muito essa ideia doutrinária de bem e mal, ou seja, ou você é um deles ou você está no caminho errado, desviado. Para sair disso, você precisa fazer parte, comungar das mesmas crenças e comportamentos. Além do mais, há alguns costumes de não frequentar locais tidos como inapropriados, como Carnaval, São João, que compõem a identidade cultural. Tudo isso gera uma segregação, são indivíduos cada vez mais numerosos, mas segregados”, avalia.

De acordo com George Paulino, esse viés segregacionista citado pela cientista política se mantém mesmo quando lideranças evangélicas chegam a espaços de poder, impactado inclusive seguidores de outras matrizes religiosas.

“Nem sempre esse diálogo se torna possível diante de pautas e temas controversos ou diante da diversidade religiosa de herança afro-indígena. Nesse aspecto, o fundamentalismo evangélico resulta em perseguição às manifestações religiosas afro-indígenas e afro-brasileiras, como umbanda e candomblé, no esforço de reproduzir o apagamento histórico imposto pela colonização, ainda ativo no racismo estrutural e no racismo religioso”, critica o pesquisador.

Um dos dados revelados pelo Censo 2022 que chamou atenção dos analistas foi a queda no ritmo de crescimento dos evangélicos no Brasil. Em 2000, eles representavam 15% da população; em 2010, o grupo totalizava 21,6%; já no Censo mais recente, de 2022, chegou a 26,9%. Na primeira década, o crescimento foi de 6,6 pontos percentuais. Já no dado mais recente, o aumento foi de 5,3 pontos. 

Para Priscila Lapa, uma das explicações para essa desaceleração está justamente na politização das igrejas

“Esse processo da radicalização que abateu o Brasil fez muita gente se sentir dentro do ápice da discussão política e a gente não tem exatamente uma educação política de base no País, então, acredito que isso pode ter gerado uma fadiga do processo, muitas pessoas preferiram a desconexão diante dessa fadiga”, avalia.

O professor Antonio George Paulino acrescenta outras hipóteses, além desse alinhamento de lideranças evangélicas com a direita.

“Talvez esteja relacionado ao crescimento expressivo do número de pessoas que se declaram ‘sem religião’, fenômeno que, por sua vez, pode estar relacionado à consciência crítica das juventudes, que optam pelo não pertencimento religioso ou por uma espiritualidade livre do controle institucional”, aponta.

Segundo ele, esse movimento pode “estar impulsionado pelo descrédito que a autoridade religiosa atrai quando diariamente as mídias publicam casos de pastores acusados de pedofilia, de corrupção e abuso sexual de pessoas”.

Resistência e afirmação: religiões afro-brasileiras em crescimento no Brasil

Além dos católicos e evangélicos, o Censo 2022 captou dados sobre outras religiões, indicando um aumento daqueles que se declaram sem religião, dos seguidores de umbanda e candomblé e daqueles incluídos no grupo de “outras religiões”. 

O cientista social George Paulino destaca que o número de adeptos de “umbanda, candomblé e manifestações relacionadas” cresceu cerca de seis vezes entre um levantamento censitário e outro. 

“A resistência tem dado visibilidade pública aos povos de terreiro, disputando editais de políticas culturais, nomeando mestres e mestras da cultura, reconhecendo territorialidades devocionais que constituem patrimônio histórico, recusando viver a fé às escondidas, entre outras formas de expressão que confirmam: sim, praticantes de religiões afrobrasileiras estão em crescimento no Brasil. E isso tem implicações importantes na política, movimentando as chamadas controvérsias morais que tanto são manipuladas em campanhas eleitorais”, aponta.

Pós-doutor em Geografia Humana e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), o pesquisador Christian Dennys chama atenção para a complexidade por trás dos dados do Censo 2022.

“Os evangélicos são de centenas de igrejas evangélicas (incluindo os demais catolicismos). Os espíritas podem ser umbandistas e místicos para além da doutrina de Kardec. Sem religião reúnem ateus e desigrejados. Umbandistas/Candomblecistas incluem os praticantes da Jurema, do Batuque, do Terecô, do Vodu e de muitas das tradições originárias (indígenas), hoje separadas em outros itens. Ou seja: as referências do peso cristão e dos agrupamentos religiosos mesclados dificultam, e muito, uma leitura efetiva da qualidade da mudança na adesão religiosa dos brasileiros”, pontua.

Ele reforça que, embora os dados mostrem o crescimento de religiões como a umbanda e o candomblé, ainda é difícil compreender a real extensão dessas adesões, pois parte significativa dessas práticas pode estar “escondida” entre os “sem religião” e os “sem declaração”.

“Vivemos o período de maior incentivo a autodeclaração das comunidades de terreiro, desdobrando esse crescimento entre jovens, adultos e idosos. Todavia, era preciso decodificar, neste caso, a ‘caixa preta’ da vivência oculta dos ‘sem religião’ e dos ‘sem declaração’, para saber se as religiões de Axé – a ideia de matriz africana me parece frágil demais, pois a África é um continente predominantemente monoteísta (islâmico e cristão) – estão imersas também nestes grandes grupos”, aponta.

Para Dennys, seria necessário um levantamento mais refinado que identifique práticas, valores e pertencimentos religiosos para além das denominações.

“Mesmo com o crescimento percentual imponente, a população de umbanda e candomblé é irrisória em termos de incentivo e fomento das causas étnico-raciais dos últimos 20 anos (...) Precisamos de um censo de religião, capaz de decodificar comportamento, práticas, ritos, valores e não só generalizar denominações impedindo análises mais consistentes e socialmente operacionais”
Christian Dennys
Professor do Departamento de Geografia da UFC e pós-doutor em Geografia Humana

Para ele, esse fenômeno, observado em diferentes regiões e faixas sociais, indica que o Brasil vive uma transformação religiosa e que o Censo, em seu formato atual, ainda não consegue captar com profundidade.PONTO DO PODER


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