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domingo, 17 de março de 2024

ANO ELEITORAL AMPLIA VIOLÊNCIA NO CEARÁ

Por ipuemfoco   Postado  domingo, março 17, 2024   Sem Comentários


Vídeos de dois imóveis de luxo em chamas na Praia de Toquinho, no litoral pernambucano, provocaram um alvoroço na política brasileira nesta semana. 


As residências pertenciam ao presidente recém-eleito do União Brasil, Antônio Rueda, e a sua irmã, Maria Emília, tesoureira da sigla. O caso inflamou os bastidores políticos porque, desde o primeiro momento, foi tratado como um atentado político.

Mais que isso, o País se prepara para encarar uma nova disputa eleitoral em outubro deste ano. Historicamente, momentos que antecedem pleitos costumam ser férteis para crimes que têm como alvo pré-candidatos, candidatos, mandatários e seus familiares ou aliados. Este caso, no entanto, é apontado por analistas como um indício do recrudescimento de ameaças e atentados contra lideranças políticas.

A chegada de Rueda ao comando oficial do União Brasil ocorreu em meio ao rompimento com um dos seus principais aliados na política: o ex-presidente Luciano Bivar (União Brasil). Os dois travaram uma disputa pública pela presidência da legenda, com direito a acusações, ameaças e denúncias. Uma delas é de que Bivar seria o mandante do atentado contra as propriedades de Rueda e de sua família. O ex-comandante da sigla nega as acusações.

Além do comando da legenda, o que está em jogo nessa disputa é a ingerência sobre um valor milionário referente ao Fundo Eleitoral. Por ser um dos maiores partidos do Brasil em representação na Câmara dos Deputados — além de ocupar ministérios estratégicos —, o União Brasil deve abocanhar uma das fatias mais significativas dos R$ 4,96 bilhões do Fundão neste ano. A estimativa é de que o valor a ser gerido por Rueda chegue a R$ 517 milhões.

DISPUTA POR RECURSOS

“É uma ‘nova era’ na violência política no Brasil. As condições da coalizão partidária que existiam no Brasil, da junção de partidos políticos em apoio ao governo, mudaram completamente dado o enriquecimento das siglas com fundos públicos. É uma violência que vai ser cada vez maior em razão da falta de transparência com esses recursos e pelos excessivos valores públicos distribuídos”
FERNANDES NETO
Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)

De acordo com o professor, que pesquisa a destinação desses recursos e os impactos na política, o caso envolvendo Rueda marca um movimento de disputa interna nas siglas por recursos vultosos. Contudo, ainda segundo ele, o emprego de violência na política brasileira é histórico e segue presente no dia a dia de lideranças. No Ceará, inclusive, não é diferente. 

Essa avaliação é reforçada por dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral, publicação trimestral do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (GIEL/Unirio). Os pesquisadores reúnem, desde janeiro de 2019, casos de violência ocorridos contra lideranças políticas brasileiras, com base no monitoramento diário da mídia impressa, eletrônica e digital.

A série histórica indica que, em anos eleitorais, há um crescimento de casos de agressão, ameaça, atentado e sequestro contra políticos e familiares. No balanço consolidado mais recente, que reuniu ocorrências de todo o ano passado, foram registrados 368 crimes por motivação política no País. Em 2022, ano eleitoral, foram 567.

Em eleições municipais também há picos de violência. Conforme os pesquisadores, no último pleito, foram 531 casos no Brasil.

A tendência se repete no Ceará. Em 2020, foram 23 casos registrados sob efeito da eleição municipal. No pleito de 2022, 15 lideranças políticas ou familiares de candidatos foram alvos de violência política no Estado.

VIOLÊNCIA POLÍTICA NO CEARÁ

Nos últimos quatro anos, as ameaças aparecem como forma de violência mais incidente contra políticos cearenses, com 21 casos. Em seguida, os homicídios, com 17. 

No levantamento, estão agressões, ameaças, atentados, homicídios e sequestros contra diferentes tipos de lideranças políticas ou seus familiares, incluindo políticos no exercício do mandato, ex-políticos, candidatos, pré-candidatos e ex-candidatos, além de assessores e funcionários da administração pública federal, estadual e municipal.

“No período eleitoral, a história tem demonstrado que a violência sempre esteve muito presente, principalmente entre possíveis candidatos de eleições locais ou mesmo estaduais. No Ceará, tinha a figura dos matadores de aluguel, então as disputas e as violências advinham tanto da relação econômica quanto política, dado que elas se misturam nas cidades”, pontua Fernandes Neto.

“É um histórico que não é só nosso, não é só cearense. Em algumas cidades, as famílias se matam até agora, é um problema que nunca acabou, é uma violência própria do Brasil. A gente tem uma violência no Nordeste também do próprio cangaço, então é algo que nunca deixou de existir e volta com maior força em razão do aumento da criminalidade, que profissionalizou essas questões — antes feitas de forma até mais passional”, acrescenta.

Um levantamento feito pelo Diário do Nordeste identificou pelo menos 14 ações criminosas diretamente contra políticos desde as eleições de 2020. Entre os casos, está o do pré-candidato a prefeito de Jijoca de Jericoacoara, Leandro Cezar, que teve a casa alvejada por tiros no ano passado.

Em agosto de 2022, o alvo foi o vereador Franzé do Hospital (PP), assassinado a tiros em uma churrascaria de Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Na ação, os criminosos teriam tentado executar outro parlamentar, mas não conseguiram. 

Em 2020, o carro do então candidato à Prefeitura de Amontada, Paulo César dos Santos (PT), foi alvejado a tiros a um mês das eleições. No mesmo ano, a residência de um candidato a vereador de Icó, Tobias Pires de Araújo, foi alvo de disparos. Em Canindé, o atentado foi contra as casas da então prefeita Rosário Ximenes e do vereador Adriano Caetano.

Voltando um pouco mais na história política cearense, há ainda o assassinato do prefeito de Granjeiro, João Gregório Neto, conhecido como João do Povo, em dezembro de 2019.

Em 2010, o alvo foi o ex-prefeito de Pereiro, Antônio Mardônio Diógenes Osório, executado por dois homens no último dia daquele ano. O assassinato foi mais um de uma série de crimes envolvendo duas famílias da Região do Jaguaribe, os Diógenes e os Nunes de Brito.

Conforme o Diário do Nordeste mostrou, desde os anos 1970, pelo menos nove prefeitos e ex-prefeitos foram assassinados no Ceará por questões políticas e brigas familiares.

VIOLÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL

Pesquisador do Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Miguel Carnevale reforça que a literatura sobre violência política no Brasil não é recente. 

“Tem toda a questão do coronelismo e foi se estruturando ao redor disso. Agora tem ganhado destaque com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, a facada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, entre centenas de casos com expressão um pouco menor, mas é um elemento da política nacional, é uma parte componente”, afirma.

Segundo ele, de fato, em anos eleitorais há um crescimento nacional desse tipo de crime.

“A violência não é gerada pelas eleições em si, mas existem conflitos estruturais e a eleição acaba atuando como uma janela de oportunidade para essas diferenças e disputas se afirmarem”
MIGUEL CARNEVALE
Pesquisador do Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

Além dos casos de maior repercussão citados por Carnevale, as eleições gerais de 2018 e de 2022 ficaram marcadas por avanços da violência política no País. Em março de 2018, dois ônibus da caravana do então candidato Lula (PT) foram alvos de tiros no Paraná.

Já em 2022, outro caso que chocou o Brasil foi a morte do guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Aloizio de Arruda, baleado durante sua festa de aniversário em Foz do Iguaçu, no Paraná.

PREVENÇÃO E COMBATE À VIOLÊNCIA POLÍTICA

Após anos pesquisando violência política no Brasil, Miguel Carnevale aponta que uma das principais dificuldades ao tratar do assunto é justamente a falta de uma legislação que a defina e combata esse tipo de prática. Segundo ele, tais crimes são significativamente subnotificados, “principalmente quando não é violência física, mas ameaça, silenciamento, assédio e outras violências que não são notícia, passam despercebidas”.

“É um problema muito grande. Nós que lidamos com esse monitoramento, que é feito com auxílio da mídia, temos muita dificuldade porque não há o prosseguimento das investigações, falta clareza nas motivações e muitos casos não são solucionados, não se chega a quem mandou, porque foi efetuado, quem teve qual papel no crime… O próprio caso da Marielle, que já tem presos e vários indícios, mas até hoje não foi solucionado 100%” 
MIGUEL CARNEVALE
Pesquisador do Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

Atualmente, duas legislações no País tratam da violência política. A Lei 14.197, criada em 2021, versa sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito. No mesmo ano, foi sancionada a Lei 14.192, que tornou crime a violência política contra as mulheres.

Em seu artigo 326-B, a legislação determina que “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo” é cabível de pena de um a quatro anos, além de multa. 

A punição pode aumentar em um terço se a vítima for gestante, idosa ou tiver alguma deficiência. “Não existe legislação sobre violência política e, no caso de violência política de gênero, há críticas sobre a incompletude da norma, porque do modo que ela foi escrita acaba excluindo mulheres trans, por exemplo”, ressalta Carnevale.

E NO CEARÁ?

Coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Ceará (MPCE), Emmanuel Girão, reconhece a dificuldade de fiscalizar a prática de violência política no Estado por conta desses obstáculos na tipificação do ilícito. 

“Para as eleições deste ano, a Procuradoria Eleitoral enviou uma espécie de kit de atuação para os promotores, mas realmente há uma dificuldade nessa identificação, porque as motivações se confundem com disputas patrimoniais e familiares. O que temos muito forte aqui no Ministério Público é uma atuação contra a violência política de gênero, com o combate à fraude da cota, porque não dar espaço para mulheres crescerem na política é uma violência também”
EMMANUEL GIRÃO
Coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Ceará (MPCE)

Na avaliação do professor e advogado Fernandes Neto, mesmo com as leis 14.197 e 14.192, os crimes políticos que não atentem contra o Estado Democrático de Direito ou que não tenham um viés de gênero acabam se enquadrando em normas mais gerais.

“Essas duas legislações existentes são consequências do estado de violência política já existente contra candidaturas do gênero feminino e contra o próprio descrédito da democracia, em um ambiente de crescimento mundial da extrema direita”, pondera.

Segundo Fernandes Neto, a maioria desses assassinatos acaba enquadrado como homicídio qualificado, aqueles que "acontecem mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe", "por motivo fútil", ou por "emboscada, ou mediante dissimulação ou torne impossível a defesa do ofendido" — como define o artigo 121 do Código Penal brasileiro.

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