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sábado, 25 de março de 2023

O BRASIL ESTÁ DE VOLTA AO CENÁRIO INTERNACIONAL

Por ipuemfoco   Postado  sábado, março 25, 2023   Sem Comentários


Lula priorizou duas marcas para seu terceiro mandato. Primeiro, ajudar os pobres, responsáveis em grande parte por sua volta ao poder. 


Para isso, já relançou os principais programas sociais de suas gestões anteriores. O outro símbolo que desejava retomar é de um líder global, capaz de transitar entre os principais chefes de Estado e influir nos rumos da política internacional. Enquanto a primeira meta depende da economia e de ações que vão demorar meses ou anos para se concretizar, o segundo objetivo foi alcançado num prazo recorde e de forma até surpreendente. 


Desde que venceu as eleições, o petista já se encontrou pessoalmente com os principais dirigentes globais e vai coroar esse esforço inicial à frente de uma megacomitiva, recorde em dimensão e ambição, em direção à China, para estreitar os laços com a nova potência rival dos EUA.


A viagem foi marcada para a sexta-feira, 24, e tem uma agenda repleta no gigante asiático. Junto com mais de duas centenas de empresários, três governadores, ao menos seis ministros e a cúpula do Congresso, vai fechar pelo menos 20 acordos nas áreas de agronegócio, tecnologia, comércio, educação e cultura, sendo o mais promissor aquele que prevê uma geração de novos satélites. Um fundo de financiamento chinês de US$ 20 bilhões também pode sair do papel. 


Diversos setores estarão representados, como agronegócio, mineração, indústria, aeronáutica e construção civil. A procura por assentos na delegação foi tão grande que fez o vice-presidente, Geraldo Alckmin, brincar que estava ocorrendo um “overbooking de empresários” (embora seja o titular do estratégico Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Alckmin não sairá do Brasil porque ocupará interinamente a Presidência).



Apesar da diversidade de áreas, é o agro que concentra o maior interesse (a soja é o principal item da pauta de exportação; a carne bovina, o terceiro). O grupo do setor embarcou antecipadamente e tem 102 nomes, com a prioridade de abrir portas. Desde 2019 não há novas certificações para empresas brasileiras de proteína animal, e um caso do mal da vaca louca no Pará fez a China suspender as importações de carne bovina em fevereiro. 


Numa antecipação de resultados concretos do encontro, o governo anunciou que os chineses aceitaram levantar esse embargo. Lula aproveitará para tentar restabelecer os laços com esse segmento, que debandou em peso para o bolsonarismo nos últimos anos.




Na área de tecnologia, a principal expectativa é sobre o acordo para a construção e o lançamento de um novo satélite sino-brasileiro, que permitirá o monitoramento do desmatamento na Amazônia e em outros biomas. O CBERS 6 (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) permitirá observar a floresta mesmo com nuvens e trará imagens ao vivo. O programa binacional já produziu e colocou em órbita cinco satélites desde 1999. Os investimentos desde o início superam U$ 300 milhões.


Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, que se beneficiou no ano passado de um superávit de US$ 61,8 bilhões. Isso explica o interesse de companhias como JBS, Marfrig, Vale e Suzano em integrar a comitiva. Os chineses têm forte presença no setor de eletricidade brasileiro e estão expandindo sua participação na indústria automobilística. 


A BYD, líder em carros elétricos, estuda adquirir a antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA), o que pode ser anunciado durante a viagem, e a Great Wall comprou no ano passado a antiga fábrica da Mercedez-Benz em Iracemápolis (SP), com investimento previsto de US$ 10 bilhões. No sentido inverso, a Embraer gostaria de vender aos chineses seu mais sofisticado avião comercial, o jato de médio porte 190 E2.


Mais do que tratar de temas de interesse mútuo, como transição energética e segurança alimentar, essa viagem tem uma grande importância simbólica para os dois líderes. É a terceira viagem de Lula à China. Desta vez busca se fortalecer em seu terceiro mandato, enquanto o Brasil tem um papel relativo menos forte por conta das sucessivas crises econômicas. 


A China, por outro lado, ampliou na última década ainda mais sua influência global. Virou alvo dos EUA e duela com os americanos pelo posto de superpotência. Xi Jinping acaba de renovar seu mandato e concentra um poder que lembra o de Mao Tsé-tung há 50 anos. Há pouco intermediou a reconciliação de Irã e Arábia Saudita, uma iniciativa no plano global que causou arrepios em Washington. 


Já em relação ao Brasil, nos últimos anos o governo de Xi Jinping precisou aguentar com pragmatismo os insultos de Jair Bolsonaro et caterva. Houve desde injúrias racistas até o surrado vitupério anticomunista. Diante disso, os chineses exerceram a paciência oriental. A estratégia do “lobo guerreiro”, a nova diplomacia de afirmação do poder chinês, resumiu-se no caso brasileiro a tuítes irritados do ex-embaixador em Brasília, inclusive contra filhos do ex-presidente.


PRESTÍGIO Lula é recebido por Joe Biden na Casa Branca, em 10 de fevereiro. Abaixo, o presidente recebe o chanceler alemão Olaf Scholz em Brasília, dia 30 de janeiro (Crédito:Divulgação)

Com Lula, isso são águas passadas. O petista quer retornar o protagonismo histórico brasileiro na América Latina, o que ajuda os chineses. O brasileiro também deve retomar seu papel de liderança do “Sul global”, reconsquistando seu lugar como player internacional. O grande responsável por esse “revival” no cenário externo é o chanceler Mauro Vieira, que voltou ao cargo que ocupou no governo Dilma Rousseff. 


O diplomata fluminense manteve contato próximo com o petista na época amarga da prisão em Curitiba, foi relegado a uma representação secundária no governo Bolsonaro (a embaixada na Croácia), mas voltou para a cadeira mais cobiçada do Itamaraty em janeiro. Foi escolhido por Lula logo depois da eleição, coroando uma carreira em que ocupou alguns dos postos mais importantes da diplomacia brasileira: as embaixadas nos EUA e na Argentina e a representação na ONU.


Vieira recebeu a missão de anunciar ao mundo que o Brasil “está de volta”, uma orientação literal do presidente durante a COP27, no Egito, em novembro. Antes da posse, Lula visitou em Portugal o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e, na França, Emmanuel Macron. 


Desde janeiro, o mandatário já se reuniu com Joe Biden nos EUA (país que se mantém como o maior parceiro brasileiro em termos de investimentos) e se encontrou com os três parceiros do Mercosul: o paraguaio Mario Abdo Benítez em Foz do Iguaçu e os presidentes Alberto Fernández, na Argentina, e Luis Lacalle Pou, no Uruguai. Recebeu ainda o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz em Brasília. 


A jornada na China é o coroamento dessa fase inicial. Completa um ciclo das visitas presidenciais ao exterior nos primeiros três meses, o que – segundo o chanceler – foi um plano encomendado por Lula. E em grande estilo, para coroar os cem dias de governo, pode-se acrescentar.


A deferência com tamanha comitiva ao líder chinês é um contraponto significativo à visita aos EUA em fevereiro, quando Lula teve uma passagem-relâmpago. Com Biden, houve apenas uma conversa sobre a preservação da democracia e do meio ambiente, temas que o americano priorizou na agenda bilateral desde o ano passado, e nenhum anúncio concreto de aporte para o Fundo Amazônia foi anunciado, o que frustrou a delegação brasileira.


Isso não tornou o compromisso menos relevante. O democrata pode não ter recebido o brasileiro com (muitas) fanfarras, mas foi um dos primeiros líderes mundiais a reconhecer a vitória de Lula, afastando qualquer tentativa bolsonarista de sublevação. Mesmo assim, o encontro em Washington teve apenas uma agenda política, sem empresários. 


O chanceler argumenta que as relações com os EUA já são sólidas e antigas e não há nenhum tipo de privilégio para o parceiro mais recente. Pode ser, mas a planejada visita de Lula em Xangai à fábrica da gigante tecnológica Huawei, acusada pelos americanos de espionagem, pode causar mal-estar. O Itamaraty quer evitar isso. Trata-se de uma tradição da doutrina diplomática brasileira cultivar o multilateralismo e explorar oportunidades em potências rivais. É o que Lula está fazendo. É do jogo, os americanos entendem isso, mas há várias razões para a visita em Pequim ser vista com reservas em Washington.


O papel de Lula na disputa econômica entre China e EUA certamente é estratégico para as duas superpotências. Mais do que isso, serão importantes os sinais que o brasileiro pode emitir sobre a grande questão geopolítica atual, a invasão russa na Ucrânia. Xi Jinping recebe Lula uma semana depois de visitar Moscou, quando deu uma demonstração de apoio a Vladimir Putin. 


O chinês usa a proximidade com o presidente russo para minar a influência global dos EUA, maior apoiador da Ucrânia. Esboçou um plano de paz, rejeitado por americanos e europeus por ser considerado favorável aos interesses russos. A diplomacia americana teme que o Brasil se volte para um projeto semelhante. Antes de assumir, Lula esboçou uma condenação ao presidente Volodymyr Zelensky. 


Depois da posse, moderou o tom e condenou a invasão russa. Ao lado de um espantado Olaf Scholz, Lula chegou a dizer que “quando um não quer, dois não brigam” (a Alemanha mudou sua política histórica de não intervenção para apoiar os ucranianos). Em Brasília, chegou-se a cogitar a criação de um grupo de países não envolvidos na guerra para tentar intermediar uma solução. Hoje, Mauro Vieira relativiza a iniciativa brasileira e diz que Lula nem tem a pretensão de liderar um acordo de paz.


Já os sinais ideológicos de governo brasileiro em direção à velha esquerda continuam a chamar a atenção. Lula escolheu para sua primeira viagem internacional prestigiar na Argentina a Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), um bloco de viés antiamericano, onde encontrou críticos dos EUA, como o ditador cubano Miguel Díaz-Canel Bermúdez. 


Já tinha defendido no ano passado o governo do nicaraguense Daniel Ortega, um dos autocratas mais repudiados da atualidade, que está em pé de guerra até com o Vaticano. E o ex-chanceler e assessor especial da Presidência Celso Amorim foi pessoalmente se encontrar com Nicolás Maduro em Caracas. Esses gestos, porém, foram atenuados recentemente, num sinal de que Lula busca calibrar suas amizades com mais pragmatismo. 


O Brasil fez declarações mostrando preocupação com os direitos humanos na Venezuela e aceitou receber imigrados que perderam a cidadania na Nicarágua. Vieira reforça que Amorim também visitou opositores de Maduro na Venezuela. Outro teste para a diplomacia de Lula são as negociações envolvendo o Mercosul. O Uruguai ensaia romper cláusulas do bloco para negociar um acordo de livre comércio justamente com a China. 


O Brasil deseja que Luis Lacalle Pou cerre fileiras com os vizinhos para forçar melhores condições no acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. A adesão à OCDE, que avançou no governo Bolsonaro, também incomoda os petistas da velha guarda e servirá de termômetro para o Itamaraty lulista.

AFINIDADE Lula com Alberto Fernández e Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, em janeiro, na Argentina. Ao lado, Celso Amorim na Venezuela com Nicolás Maduro, dia 8 de março (Crédito:ESTEBAN COLLAZO/Marcelo Garcia/Miraflores Palace/)

Problemas internos

Além do símbolo de força e renascimento diplomático, o presidente também transformou a viagem à China em uma oportunidade para resolver problemas internos. Nesse caso, o recado está no próprio tamanho da comitiva. O petista quer passar uma mensagem clara com a participação de parlamentares de oposição, da base e dos que se dizem independentes. Segundo os aliados do presidente no Congresso, o objetivo é “mostrar ao mundo sua força política, econômica e acima de tudo democrática”. 


O recado é: “Sou o presidente do Brasil e não o presidente do PT, tenho que representar os interesses do País”. Além disso, o mandatário deve tentar sondar com senadores a questão de possíveis indicados para o STF e a chefia da PGR. Mas o risco é o petista embarcar a crise na bagagem. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, irá, mas Arthur Lira, presidente da Câmara, cancelou a viagem. 


Oficialmente, a sua assessoria diz que ele nunca disse que iria à China. Deve ficar para enfrentar a disputa com o Senado pelo trâmite das Medidas Provisórias (acha que o Planalto está ajudando Pacheco), além de continuar as tratativas em torno do novo arcabouço fiscal de Fernando Haddad. Lula disse que a definição e apresentação da proposta ficará para depois da viagem, mas certamente o assunto também será tratado em solo chinês (Haddad e Aloizio Mercadante estarão presentes). 


Em Xangai, Lula visitará a sede do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o banco dos Brics. Estará acompanhado de Dilma Rousseff, que tomará posse na presidência da instituição. Na volta, o presidente ainda passará por Abu Dhabi, onde vai encontrar, dia 31, com o xeique Mohammed bin Zayed, emir de Abu Dhabi e presidente dos Emirados Árabes Unidos. 


Na pauta, relações bilaterais, comércio e investimentos. O brasileiro espera voltar a Brasília com menos complicações domésticas e um triunfo externo que feche com chave de ouro os primeiros cem dias de mandato, que vai celebrar no dia 10.

Colaborou Victor Fuzeira

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