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sábado, 8 de julho de 2017

BRASIL; OS SEGREDOS DE GETÚLIO VARGAS

Por ipuemfoco   Postado  sábado, julho 08, 2017   Sem Comentários


“Vai, rapariguinha, eu estou bem acompanhado e no momento não estou precisando de você.” 

Era assim que Getúlio Dornelles Vargas ralhava com a filha, Alzira Vargas. 

Ela trabalhava como auxiliar de gabinete do Presidente da República. Dizia fazê-lo por amor ao pai. No último mandato de Getúlio – entre 1951 e 1954 –, acompanhou-o dia e noite. Sua devoção lhe permitia dizer verdades que o presidente não ouvia de mais ninguém senão dela. 

Na prática, Alzirinha dizia tudo o que pensava, e chegava a tratar o pai pelo informal “tu”. Certo dia, irritada com a teimosia pouco diplomática dele, irrompeu no gabinete e criticou: 

“Eu te considero um dos piores políticos que jamais conheci. Não tens paciência para as intriguinhas normais, ficas indócil quando a administração do país é prejudicada pela política e te rebelas contra a burocracia.” Getúlio respondeu: “Acho que tu tens um pouco de razão”.

Alzira nunca mais veria aquela madrugada acabar, e relembraria dela até morrer, aos 78 anos, em janeiro de 1992. Tornou-se detentora dos segredos do pai. Seu desejo era publicar um segundo volume para completar as memórias, já que o primeiro cobria até o ataque dos integralistas ao Palácio Guanabara em 1938, no início do Estado Novo (1937-1945). 

Queria avançar pela Segunda Guerra, passando pela deposição, o exílio e a volta de Getúlio. Mas não conclui o projeto. Os textos inéditos são agora reunidos e incluídos na segunda parte da nova edição de “Getúlio Vargas, meu Pai”, lançado pela Companhia das Letras. 

O caráter fragmentário do material não impede que ele traga revelações e detalhes ignorados sobre o governo e a intimidade de Getúlio e sua relação com Alzira, a quem considerava a sua “segunda consciência”.

O episódio faz parte das memórias de Alzira Vargas Amaral Peixoto. Uma parte delas se converteu em um best-seller, o livro “Getúlio Vargas, meu pai”, lançado em 1960. A outra permaneceu inédita. O livro é reconhecido como clássico do memorialismo político. 

A narrativa passional de uma filha devotada ao pai poderoso acrescentou drama a uma tragédia: o suicídio do presidente aos 72 anos com um tiro no coração na madrugada de 24 de agosto de 1954. Alzira se sentiu traída porque o pai escondeu dela o gesto extremo e a “Carta Testamento”, que seria divulgada naquela manhã. Ele a havia dispensado com o costumeiro “vai, rapariguinha”.

INTRIGAS

“Getúlio foi a sua paixão”, diz a socióloga Celina Vargas do Amaral Peixoto, filha única de Alzira e do político Ernani do Amaral Peixoto e neta de Getúlio. “Adorava escrever e vivia às voltas com a papelada do pai.” 

Segundo Celina, Alzira recebia os brasilianistas à mesa da sala de jantar, onde espalhava os documentos para comentá-los. O material foi doado à Fundação Getúlio Vargas e constituiu o primeiro acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdo/FGV). 

Celina organizou o Cpdo e contou com a ajuda de Alzira. Nos últimos anos, Celina se ocupou em organizar a pilha de escritos de Alzira, folhas soltas e dezenas de blocos de rascunho escritos com letra graúda à tinta vermelha de caneta esferográfica.

“Minha mãe tinha prazer em escrever”, diz Celina. “Ela queria tirar do texto aquilo que chamava de ‘alzirices’.” Ou seja, sua petulância e rebeldia, sua visão nada glamurosa da vida palaciana. “Eu dizia a ela que as ‘alzirices’ é que davam graça ao texto.” 

A organização dos textos segue o critério cronológico e abarca os 24 anos que vão do Estado Novo à morte de Getúlio. “Juntei fragmentos para formar um relato”, afirma Celina. 

“Minha mãe foi criada como uma gaúcha tradicional, para cozinhar e cuidar das crianças. Aos poucos, foi mostrando um caráter forte, formou-se e adquiriu uma visão do processo político.”

Celina tinha 10 anos quando o avô se suicidou e lembra da noite de 23 de agosto em que ela e a prima foram levadas pelos pais de Niterói para pernoitar no apartamento de Getúlio no Rio, pois a família estava ameaçada de detenção. “Lembro-me de tudo. A atmosfera era ameaçadora, mas não senti medo”, conta. 

Isso porque minha mãe me passou a lição que havia aprendido com os pais. Costumava dizer: ‘Dos covardes a história não fala. Vamos estudar e trabalhar. Coragem!’”



Alzira começou a trabalhar com o pai em 1932, como arquivista. Em 1937, quando concluía o curso de Direito, foi nomeada auxiliar de gabinete. Casou-se em 1939 com o oficial da Marinha Ernani do Amaral Peixoto, ajudante de ordens da Presidência. 

O casal morou em Washington, hospedando-se na residência do embaixador Oswaldo Aranha, amigo da família. Foi então que Alzira se encontrou com o presidente americano Franklin Roosevelt e se tornou emissária e tradutora de Getúlio, que não sabia inglês – lia francês, espanhol e italiano.

“Comecei a penetrar nos secretos meandros do mundo político”, escreve Alzira. Ela tomou contato com as intrigas e tentativas de corrompê-la com dinheiro, presentes e cantadas. Há revelações sobre a história e sobre a intimidade. 

Entre as históricas, mostra como o pai desarticulou as tentativas de golpe comunista e integralista, em 1935 e 1938 – pretextos para a decretação do Estado Novo. Nessa fase, Getúlio tentou servir trabalhadores e empresários. Ele foi chamado, como ela lembra, de “o pai dos pobres e a mãe dos ricos”. 

Recorda-se de um encontro de Getúlio com um grupo de empresários em 1935. O ditador discutiu a futura Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas só ouviu deles reclamações sobre impostos e obrigações. Saiu furioso da reunião. No carro, ao lado de Amaral Peixoto, comentou: “Burgueses burros! Estou tentando salvá-los e eles não entenderam.”

PRÓ-ALIADOS 

Havia interesse de uma visita de meu pai aos Estados Unidos tão grande que recordo de haver escrito para ele dizendo: ‘É tal o desejo deste país em sua vinda que começo a pensar que o motivo principal é mostrar a cara aos americanos para verem que um ditador pode não ser tão feio como pintam’.”




ACIDENTE Getúlio recebe colegiais no Palácio Guanabara em 1942 NO HOSPITAL 

“Encontrei meu pai deitado em uma cama de hospital. Reconheceu-me apenas para se queixar de fortes dores em sua perna direita, e que não lhe haviam até o momento dado o menor alívio. Estava a perna dentro de uma precária calha de arame forrada de algodão. Sabia que ele só se queixava quando era demais.”



SUICÍDIO Getúlio e Alzira (c. 1951-1954) 

CARTA TESTAMENTO 

“Disse-lhe que precisava ter mais cuidado com seus escritos para que não fossem parar em mãos desonestas. Pediu-me o papel de volta e, batendo levemente em meu rosto, disse: “Sua bisbiloteira. Não é nada disso que você está pensando. Você me conhece, e ficou com o papel”

Sobre a entrada do Brasil na Segunda Guerra com os Aliados, Alzira mostra que Getúlio era disputado pelos “germanófilos” e pelos “entreguistas” americanófilos. Segundo ela, Getúlio simpatizava com os americanos e declarou guerra a Hitler em agosto 1942. 

No início do ano, organizou reuniões diplomáticas com os americanos, onde Alzira exerceu um papel essencial. Getúlio a instruía a municiar os jantares de gala com dois itens que os americanos consideravam essenciais: muita bebida e mulher bonita.

UM TROTE

Entre os erros que ela aponta no pai, está o fato de ele ter enviado a militante Olga Benário aos nazistas e ter deixado que seu irmão Benjamin formasse a Guarda Pessoal da Presidência, composta de capangas gaúchos desgrenhados, a quem ela apelidou ironicamente de “anjinhos”. 

Foram eles os responsáveis pelo atentado contra o maior opositor do governo, o jornalista Carlos Lacerda, que vitimou seu guarda-costas, o major Rubens Vaz, em 5 de agosto de 1954 – “uma das maiores asneiras do século”, segundo ela. A “asneira” precipitou a crise institucional e uma conspiração que ela chama de “golpe de gabinete”.

Alzira também se debruça sobre as tragédias familiares e o caráter do pai, capaz de se calar, de se irritar e até de pregar peças. Um dia ela encontrou seu escritório revirado: a máquina de escrever debaixo da mesa e os papéis desorganizados. 

Descobriu que o trote era do “maroto” Getúlio. Alzira se comove, como quando viu o pai chorar pela morte do filho Getulinho, em 1942, aos 24 anos. Sua reação à tragédia foi perguntar ao médico sobre como a alma saía do corpo – logo ele, um homem “construtivamente cético”. 

Ela detalha o acidente de carro que Getúlio sofreu em maio de 1942. Com a perna fraturada, ele ficou internado por meses. Boatos surgiram: ele teria morrido e Amaral Peixoto e Alzira agora governavam o Brasil. Getúlio então se fez fotografar recebendo visitas de crianças.

“Este é o livro de minha saudade”, afirma Alzira. “É a história maravilhosa de um homem só. Nasceu só, viveu só entre milhões, morreu só doando tudo o que tinha”. Uma história que ela escreveu como uma espécie de libelo contra a forma de fazer política no Brasil.

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