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terça-feira, 27 de outubro de 2015

PROCURADOR DA REPÚBLICA AFIRMA QUE " A CORRUPÇÃO É FRUTO DO NOSSO SISTEMA"

Por ipuemfoco   Postado  terça-feira, outubro 27, 2015   Sem Comentários

Coordenador da força-tarefa do Ministério Público na Operação Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol, 35 anos, classificou a pena contra condenados por corrupção no Brasil como uma “piada de mau gosto”.

O procurador viaja pelo País em defesa de um Projeto de Lei de iniciativa popular com dez medidas para endurecer a punição contra condutas irregulares com o dinheiro público. 

Em entrevista exclusiva ao O POVO, Dallagnol, que participa hoje de encontro no Ministério Público Federal no Ceará, discute medidas contra a corrupção. Leia os principais trechos da conversa. 

O POVO - Quando as investigações em torno do que originou a Operação Lava Jato iniciaram, o senhor tinha dimensão de que chegaria aonde chegou?

Deltan Dallagnol - É impossível prever isso. Porque, quando as investigações começaram, elas se debruçaram sobre quatro organizações criminosas comandadas por doleiros. Doleiros são lavadores de dinheiro profissional. Eles lavam dinheiro para todo tipo de criminoso. Então é muito comum em uma investigação envolvendo doleiros você chegar a pessoas corruptas, é comum chegar a traficante de drogas. Agora, uma coisa é você chegar a corruptos e traficantes de drogas, outra é chegar a um volume de corrupção tal como aconteceu nesse caso. Isso é uma coisa absolutamente surpreendente. 

OP- Acompanharemos ainda muitos desdobramentos da operação?

Dallagnol - É muito imprevisível. Se nós parássemos de receber novas provas, novas informações, com acordos de colaboração, nós teríamos ainda pelo menos um ano e meio de trabalho. Mas isso não tem como acontecer em princípio. As investigações tendem a se expandir. Se a gente continuar trabalhando dentro do nosso plano, é possível que a gente continue a descobrir corrupção em outros órgãos públicos porque o quebra-cabeça que essa investigação está montando é o quebra-cabeça de loteamento de cargos públicos em diversos órgãos da administração para angariar ganho políticos para governos. E essas pessoas que ocupavam esses cargos públicos usavam esses cargos com dois objetivos: o primeiro era de enriquecimento ilícito próprio e o segundo de financiamento de caras campanhas eleitorais. A gente não está falando da pequena corrupção, estamos falando da grande corrupção político-partidária e de grandes empreiteiras. Diversas delas adotaram a corrupção como um modelo de negócio lucrativo.


OP- Uma das premissas em relação à delação premiada, muito usada no processo de investigação da Lava Jato, é o sigilo das colaborações. No entanto, vemos rotineiramente o vazamento dessas delações. 
O que tem sido feito para impedir que isso aconteça?




Dallagnol - Quando fazemos um acordo, há inúmeras pessoas que têm acesso àquele depoimento: o advogado do colaborador, o próprio colaborador, pessoas que praticaram crimes e que estão sendo implicadas pelo colaborador, investigadores, escrivães, delegado de polícia, servidores do Ministério Público, pessoas do Judiciário… É de interesse da investigação mantermos o sigilo para que nós possamos pegar um fato de surpresa quando, por exemplo, fazemos uma busca e apreensão. Se isso é divulgado, acaba prejudicando o interesse público, que é conseguir novas provas. Nós teríamos que tentar identificar quem daquelas dezenas de pessoas colocou aquela informação para frente. Na prática, é muito difícil conseguir chegar a uma conclusão segura para saber o que aconteceu.

OP- O que o senhor pensa sobre o fatiamento da Lava Jato?

Dallagnol - Nós respeitamos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mas discordamos dela. Discordamos porque o que estamos fazendo é montando um quebra-cabeça e, quando você tira um pedaço desse quebra-cabeça e manda para outro lugar, aquele pedaço perde o sentido. É difícil você ter a compreensão do que a imagem daquele pedacinho significa sem você olhar o todo e ver onde ele se insere. Além disso, esse fatiamento pode cair na vala comum e a vala comum produz, em regra, a impunidade por uma serie de problemas do nosso sistema de justiça.

OP- O senhor tem afirmado que “o sistema (no Brasil) funciona para não punir pessoas, principalmente as do colarinho branco”. Por que o senhor acha que a sociedade brasileira deve acreditar no sucesso da Lava Jato?

Dallagnol- A Lava Jato é um ponto fora da curva em razão do volume de valores desviado, que é um absurdo, uma aberração, e em razão da grande atenção da opinião pública sobre esse caso. O que faz com que todas as pessoas que atuem nela trabalhem de modo célere para atender a expectativa que a sociedade está colocando sobre aqueles agentes públicos. Além disso, existe uma série de outros fatores que contribui para esse sucesso, como juízes experientes e bons que tenham atuado em primeira e última instância, equipes de investigação no MP altamente preparadas, a contribuição da Receita Federal, uma série de particularidades que tendem a fazer desse um caso diferente. As alterações que nós estamos propondo na nossa legislação podem repercutir positivamente para que esse não seja mais um caso que acabe em impunidade. Não acreditamos que isso vá acontecer. 

OP- A corrupção aumentou nos últimos anos ou as instituições ficaram mais sólidas tornando as investigações contra corrupção mais autônomas e eficientes?

Dallagnol - Nós não podemos afirmar que a corrupção aumentou. O que aconteceu a partir de 1988 foi o amadurecimento das nossas instituições. Tivemos um amadurecimento das nossas legislações, algumas leis nos permitiram aprofundar investigações, como a lei de interceptações telefônicas, da lavagem de dinheiro, do crime organizado. Existe um estudioso brasileiro que lançou a primeira coletânea sobre corrupção. Ele contou que, na década de 1990, houve 88 escândalos de corrupção apenas na área federal. Nós, brasileiros, não podemos ter memória curta. A corrupção é de muito tempo atrás. A corrupção é um fruto do nosso sistema, não se trata de uma maçã podre na cesta. 

OP- O senhor tem afirmado que não se resolve o problema da corrupção mudando governantes. As 10 medidas contra a corrupção encampadas pelo MP podem ser ma saída?

Dallagnol - Com certeza. A corrupção no Brasil não é um problema de um partido A ou partido B, de governo A ou de governo B. A corrupção é um problema de um sistema que favorece. As análises mais modernas sobre a corrupção apontam que o agente que pratica a corrupção analisa os custos e benefícios da decisão que ele está tomando. Ele olha para o valor que ele vai conseguir desviar dos cofres públicos e olha para a perspectiva de punição. O problema é que, no Brasil, os benefícios existem e os custos não existem, influenciando, assim, para que a pessoa pratique atos de corrupção. O que nós precisamos fazer é ter instrumentos para recuperar os valores desviados dos cofres públicos, ou seja, retirar os benefícios. Precisamos alterar a legislação para que haja uma punição e para que ela seja efetivamente aplicada. Essas medidas têm três eixos fundamentais: a prevenção, a punição adequada para o crime cometido e oferecer instrumentos para recuperação do dinheiro desviado.

OP- A pena é branda?

Dallagnol - A pena é uma piada de mau gosto, desproporcional em relação à gravidade do crime e ao mal que a corrupção causa. A pena mínima parte de dois anos. Isso significa que uma pena de corrupção dificilmente passará de quatro anos. Uma pena inferior a quatro anos é executada em regime aberto. A pessoa fica livre, leve e solta durante o dia e à noite deveria se recolher em uma casa de albergado. Mas no Brasil não temos dinheiro para construir uma casa dessas e pessoa fica livre à noite sem qualquer supervisão.

Perfil

Procurador da República desde 2002, Deltan Dallagnol, 35 anos, dá palestras e leciona sobre o assunto. 

Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), fez mestrado na escola de Direito de Harvard, nos Estados Unidos.

Ao ingressar no Ministério Público Federal com 22 anos, se tornou o segundo procurador mais jovem a ser admitido no órgão. 

No mesmo ano, foi aprovado em concurso para juiz substituto no Paraná e em primeiro lugar em concurso para promotor de Justiça. 

Possui mais de 200 horas de cursos sobre lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas, técnicas de denúncia e outros assuntos.

Sobre o autor

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