Nesta semana, os médicos brasileiros foram autorizados pelo Conselho Federal de Medicina a prescrever um composto de canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da maconha, para o tratamento de formas severas de epilepsia.
É uma antiga reivindicação dos pais de crianças que sofrem convulsões impossíveis de serem controladas pelos medicamentos convencionais. A substância não é aprovada para venda no Brasil. Para importá-la, cada família deverá pedir autorização individualmente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Apenas os neurologistas e os psiquiatras poderão prescrever o derivado da maconha, em dosagens pré-determinadas pelo CFM. A aprovação é um alento para as famílias que enfrentavam grandes dificuldades para conseguir as prescrições, mas pouco se sabe sobre a eficácia da substância.
Nos Estados Unidos, onde é vendido em spray, pomada e até xampu, o canabidiol é considerado seguro pela agência que regula medicamentos (FDA). Apesar disso, ela não permite que a indústria alegue propriedades medicinais porque as pesquisas realizadas até hoje envolveram um pequeno número de pacientes.
Recentemente, o pesquisador Orrin Devinsky conseguiu autorização do FDA para realizar um estudo amplo sobre os benefícios do canabidiol. Em pesquisas anteriores, ele demonstrou que o composto foi capaz de diminuir em 50% das crises epiléticas de 30% dos pacientes. Cerca de 10% deles se livraram das convulsões. É um caminho promissor, mas há mais dúvidas que certezas – não apenas no campo científico.
A população brasileira está dividida em relação ao uso desses medicamentos. É o que revela uma pesquisa divulgada com exclusividade por esta coluna. Ela foi realizada no final de setembro, em parceria com o Datafolha, pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), uma entidade privada de pesquisa e pós-graduação para a formação de profissionais para o mercado farmacêutico.
Foram entrevistadas 2.162 pessoas, pessoalmente, em 134 municípios de todas as regiões do país. Apenas 27% concordam plenamente com a liberação de medicamentos feitos com ingredientes da maconha. Outros 13% concordam parcialmente. O grupo dos que discordam corresponde a 44%. Os que não sabem avaliar são 6%.
A aprovação ao uso do canabidiol é maior entre os mais jovens e com mais acesso à internet. Na faixa dos 25 aos 34 anos, 56% aprovam o uso. Com o avanço da idade, a porcentagem cai até chegar a 31% a partir dos 60 anos.
Entre as pessoas que são a favor da liberação da venda de medicamentos feitos com maconha destacam-se, com maior representatividade:
- Região Sudeste – 43%
- Região Metropolitana – 42%
- Homens – 44%
- Jovens (16 a 24 anos) – 47%
- Os mais escolarizados (nível superior) – 52%
- Classes mais altas (A/B) – 48%
- Os que fazem compras pela internet – 55%
“O índice de aprovação ao uso do canabidiol no Brasil ainda é muito baixo”, diz Marcus Vinicius Andrade, diretor de pesquisa do ICTQ. “De modo geral, o brasileiro desconfia da evolução da ciência e de novas drogas. É como se ainda estivéssemos na Revolta da Vacina”, diz. “Quando se trata de um composto derivado da maconha, o preconceito aumenta porque as pessoas o associam à criminalidade”.
Segundo Andrade, a população ainda não entendeu o que está sendo discutido. Confunde o uso do canabidiol como medicamento com fumar maconha para fins medicinais e com a liberação da droga para fins recreativos.
Se os entrevistados resistem à ideia do uso de derivados de maconha em situações específicas e controladas, eles são ainda mais céticos quando se trata da hipótese de fumar maconha na tentativa de aliviar sintomas de doenças. Embora alguns grupos defendam essa ideia, o Brasil está longe de adotá-la.
A nova pesquisa revela que 56% dos entrevistados são contra a liberação da venda de maconha in natura para uso medicinal em farmácias, como ocorre em alguns estados americanos e em outros países. Aqui uma coluna sobre as consequências da adoção dessa medida nos Estados Unidos. Separar paixões e interesses comerciais quando se discute maconha é fundamental para que o Brasil e os brasileiros tomem decisões sensatas e baseadas em evidência científica.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
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