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sábado, 6 de novembro de 2021

TODOS CONTRA BOLSONARO

Por ipuemfoco   Postado  sábado, novembro 06, 2021   Sem Comentários

 


Escanteado pelos líderes globais e repudiado pela opinião pública mundial, presidente muda o discurso e propõe metas mais rigorosas para a redução do desmatamento e da emissão de gases do efeito estufa. Mas esse anúncio contraria sua prática e apenas transfere a conta para seus sucessores, o que pode levar a retaliações comerciais.


Não se pode subestimar a dimensão superlativa da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-26), que reuniu mais de cem líderes mundiais, na cidade escocesa de Glasgow, comprometidos a reverter o aquecimento global. Ela coroa um longo esforço da comunidade internacional, quase três décadas após a pioneira ECO-92, no Rio de Janeiro, que pela primeira vez promoveu o consenso global de que era necessário estabilizar a emissão de gases do efeito estufa. 


E ocorre seis anos após o histórico Acordo de Paris, que fixou metas concretas para a redução. Essa disposição que une de uma forma inédita a comunidade internacional não acontece no vazio. Já há um entendimento internacional sobre a necessidade de se tomar medidas duras. “Estamos cavando nossa própria cova”, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres. 


A emissão de gases do efeito estufa está aumentando a temperatura da Terra, ampliando a seca e a as ondas de calor, reduzindo a superfície congelada no Ártico e potencializando fenômenos climáticos adversos, como furacões. O nível do mar está subindo um centímetro a cada três anos. 


Conter os efeitos da mudança climática exige o maior esforço coletivo humano da história, uma tarefa hercúlea de cooperação e intervenção econômica global — um trabalho político, diplomático e científico que depende do engajamento da opinião pública. É isso que Glasgow representa.

OPOSIÇÃO Os governadores Renato Casagrande (ES) e João Doria (SP) defenderam o diálogo, ofuscando o governo federal (Crédito:Divulgação)

No palco crucial da COP-26 para debater o futuro do planeta, que também é a primeira grande cúpula mundial no pós pandemia, o Brasil entrou pela porta dos fundos. Perdeu a relevância que havia conquistado desde os anos 1990. E isso aconteceu porque Bolsonaro, ecoando teses extremistas cada vez mais desacreditadas, continua negando o aquecimento climático e desafiando a comunidade científica e internacional.


Ele enfraqueceu os órgãos de fiscalização contra o desmatamento ilegal e os garimpos clandestinos, asfixiou as pesquisas científicas, interveio no Inpe, que apontou a escalada das queimadas, e investiu contra a legislação ambiental, que era considerada uma das mais avançadas do mundo. Seu ex-ministro do Meio Ambiente é suspeito de facilitar a atuação de quadrilhas de madeireiros que agem à margem da lei. 


Quando o mundo se escandalizou com as cenas da floresta amazônica em chamas, Bolsonaro insultou o presidente francês, Emmauel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel. O chefe do Executivo acusou os países desenvolvidos de não investirem recursos para reverter a devastação ambiental, ao mesmo tempo em que inviabilizou fundos bilionários de ajuda para a preservação da Amazônia que eram patrocinados por nações como Noruega e Alemanha.

BRILHO A brasileira Txai Suruí se destacou ao discursar em inglês na abertura dos trabalhos (Crédito:Oli SCARFF )

Não causa surpresa, portanto, que a ausência do presidente tenha sido recebida com alívio na COP-26. Para representar o governo, compareceram três ministros, que, por serem coadjuvantes, não precisaram passar pelo crivo internacional. Afinal, o Brasil passou de referência mundial na preservação ambiental a um dos vilões do aquecimento global. 


A defesa da tradição brasileira no tema coube, no lugar do governo federal, a dez governadores, que devem marcar presença até o final dos trabalhos, no dia 12. Entre eles, o do Espírito Santo, Renato Casagrande, que preside o consórcio de governadores Brasil Verde, e o paulista João Doria, que anunciou o aumento de 3% na cobertura vegetal no estado nos últimos três anos. 


Esse grupo de governadores foi constituído exatamente para fazer uma interlocução direta dos governos locais com lideranças mundiais, driblando as dificuldades impostas pelo governo federal. Mas não foi apenas pela atuação deles que o Brasil teve voz. Líderes indígenas, quilombolas e ONGs compareceram mostrando o amadurecimento do debate ambiental no País. 


A brasileira Txai Suruí, fundadora do Movimento da Juventude Indígena em Rondônia, fez um discurso marcante em inglês, quando defendeu a participação dos povos indígenas nas decisões da cúpula e lembrou o assassinato do amigo Ari Uru-Eu-Wau-Wau. Apesar de ela ter brilhado na COP-26, ou por isso mesmo, Bolsonaro, à distância, acusou-a de “atacar o Brasil”.

Recuo e novas metas

Acuado por causa da pressão internacional, o governo Bolsonaro ensaiou um cavalo de pau na política ambiental. Em discurso gravado, o presidente mandou uma mensagem dizendo que “o Brasil é parte da solução para os problemas climáticos globais”. 


O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, reafirmou o compromisso de que o Brasil atingirá em 2050 a neutralidade de carbono, dez anos antes do prazo acordado anteriormente (essa promessa já havia sido feita por Bolsonaro na cúpula do clima promovida por Biden em abril). O governo também aderiu a um acordo de mais de 100 países que promete zerar o desmatamento até 2030. 


Também se comprometeu, junto com 96 países, a reduzir em 30% as emissões de metano no mundo até 2030 (nesse caso, China e Rússia não aderiram). São promessas positivas, mas se chocam com a prática do governo.


Representam a versão ambiental da “carta à Nação” escrita por Michel Temer após o Sete de Setembro, quando Bolsonaro reverteu sua escalada golpista e prometeu respeitar o STF. É muito difícil acreditar nas intenções do governo Bolsonaro, que parece apenas lançar promessas vazias, compromissos a serem herdados pelos sucessores sem que ações de curto prazo sejam tomadas. 


Pelo menos um dos objetivos, o de cortar pela metade as emissões de gases do efeito estufa até 2030, é apenas para atrair holofotes. Apenas retoma a promessa feita pelo Brasil em Paris, em 2015, de emitir no máximo cerca de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 até o final dessa década. Reverte uma manobra contábil efetuada pelo próprio governo, que permitia ampliar as emissões usando outra base de cálculo, mesmo com um percentual menor de redução (43%) — uma “pedalada climática”.

BÉLICO Bolsonaro em Pistoia, onde os brasileiros que tombaram na Segunda Guerra foram enterrados (Crédito:Alan Santos)

A promessa de redução da emissão de metano (o segundo gás que mais afeta o clima global) é especialmente delicada e ocorreu por pressão dos EUA. A ONU aponta que 60% dessa emissão ocorre por atividades ligadas a combustíveis fósseis, agropecuária e gestão do lixo. Para o Brasil, trata-se de uma meta sensível, já que 70% das emissões desse gás se originam no setor agropecuário, que precisará se adaptar. Novamente, será preciso comprovar a real disposição do governo federal de seguir com essa transição, já que o agronegócio é um dos pilares do apoio político do presidente. Se essas metas anunciadas não se converterem em políticas públicas concretas, aumentará ainda mais o descrédito do governo brasileiro no exterior. E a falta de credibilidade é patente. 


O coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, Oswaldo dos Santos Lucon, pediu demissão do cargo no meio do evento. Havia sido nomeado por Bolsonaro em 2019, e sua função era exatamente fazer a ponte entre o governo e a sociedade civil — a saída atesta exatamente o fracasso dessa interlocução.


A área ambiental foi um dos principais alvos do desmonte institucional promovido por Bolsonaro. O fiasco em Glasgow expõe o retrocesso numa área em que o País liderava o mundo. A diplomacia brasileira, desde os anos 1990, teve a perspicácia de estabelecer o conceito de “desenvolvimento sustentável”, o que tirou o Brasil do papel de coautor da destruição para credor da comunidade internacional, garantindo o crescimento e a preservação das florestas. Nesse tabuleiro de interesses globais, em que o Brasil estava bem posicionado, Bolsonaro retrocedeu várias casas. 


Depois de aderir ao negacionismo de Donald Trump, contra a comunidade internacional, precisou recuar por pressão de Joe Biden, que desde o início elegeu o clima como meta prioritária de sua gestão. Bolsonaro também sentiu a pressão das grandes empresas, que temem retaliações. E há o risco concreto de represálias comerciais, como o próprio Biden insinuou em sua campanha eleitoral. 


A ameaça mais direta veio na própria COP-26 de Boris Johnson. Se o Brasil não cumprir as metas acordadas na conferência, “temos meios comerciais de responder a qualquer país desobediente nesse sentido”, afirmou.

EM FAMÍLIA Manifestantes protestam contra Jair Bolsonaro em Anguillera Veneto, cidade do seu bisavô (Crédito:Luca Bruno)

A adesão a teses negacionistas e a antidiplomacia do governo Bolsonaro trazem grandes prejuízos ao País. A habilidade nas vitais negociações climáticas é crucial para os interesses brasileiros. Os acordos devem ser equilibrados para não prejudicar a economia e são sempre difíceis, por serem feitos por consenso e buscando a unanimidade. Para se ter uma ideia da ambição das metas discutidas na Escócia, para zerar a emissão de carbono até 2050, como prevê o Acordo de Paris, a demanda por petróleo precisará cair 75%. Isso representa uma mudança de paradigma para a economia, que precisará se adaptar à energia verde com novas tecnologias. 


O suprimento de metais como cobre, lítio e níquel, necessários para abastecer a indústria de carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, poderá não acompanhar a demanda da economia “carbono zero”. A irracionalidade do governo e o populismo econômico escancarado prejudicam qualquer planejamento estratégico. E, além disso, Bolsonaro virou um entrave para grandes acordos internacionais. 


Países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) não querem discutir a adesão brasileira antes das eleições de 2022, pois imaginam que um líder mais confiável pode substituí-lo em 2023. O Acordo Mercosul- União Europeia, concluído após décadas de negociação, não avança por pressão de países como a França, que questionam o brasileiro. Bolsonaro é alvo frequente de críticas no Parlamento Europeu. No cenário global, um grande líder abre portas. Bolsonaro faz o oposto.


Ausente da COP-26, o presidente mostrou que está completamente isolado no cenário internacional também em outra cúpula, o G-20, em Roma, um evento conectado ao de Glasgow que ocorreu imediatamente antes do encontro da Escócia. Em solo italiano, ele só teve dois encontros bilaterais, um deles com o presidente do país anfitrião, Sergio Matarella, meramente protocolar. 


O outro foi com o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann ­— o governo sonha ingressar nessa entidade como um trunfo diplomático, mas até agora foi esnobado. A agenda enxuta é uma prova de como o mandatário está segregado. Em 2019, na última reunião de cúpula presencial, o brasileiro tinha se reunido com nove líderes. Desta vez, as conversas com nomes de destaque, como Boris Johnson (Reino Unido) e Tedros Adhanom (OMS) aconteceram informalmente e na presença de outros líderes. 


Na frente das câmaras, de forma constrangedora, Bolsonaro tentou vender uma imagem positiva e irreal de seu governo ao autocrata Tayyip Erdogan (Turquia), atribuindo seus problemas à imprensa. A chanceler alemã, Angela Merkel, fazendo jus à sua fama de mestre da conciliação, até tentou conversar com Bolsonaro, que apenas replicou: “Não sou tão mau quanto dizem”. 


Mas o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, se recusou a trocar apertos de mão (o fato de Bolsonaro não ter se vacinado nem utilizar máscaras pode ter pesado para isso). Esse vexame é o retrato da solidão. Não há networking que reverta sua fama de vilão internacional, de quem ataca sistematicamente a democracia e o meio ambiente.

Alan Santos/PR; Divulgação

Turismo na Itália

Enquanto perdia reuniões importantes dos maiores líderes mundiais, o presidente levou o cercadinho e as brigas de rua para a Itália. Em Roma, promoveu atos com apoiadores em que ofendeu jornalistas, alguns agredidos a socos por seguranças. 


Na província de Pádua, participou de homenagem concedida pela prefeita de Anguillara Veneta, cidade natal de seu bisavô, sob protestos. Em Pistoia, na Toscana, tentou demonstrar mais uma vez sua intimidade com as Forças Armadas, ao homenagear o cemitério que recebeu os pracinhas brasileiros mortos na Segunda Guerra. “Pela primeira vez estou em solo italiano, solo sagrado para nós. Estamos comemorando os que tombaram em luta pelo que tem de mais sagrado em nós, a liberdade”, disse. 


Nesse local, encontrou seu principal aliado na Itália, o senador Matteo Salvini, que já fez diversas manifestações xenófobas e anti-imigração e é acusado de ser neofascista. Trata-se de mais uma impostura e uma agressão à memória dos combatentes: os brasileiros morreram exatamente lutando contra o fascismo. 


Em seu giro turístico na Itália, Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, que suas afinidades ideológicas estão acima de qualquer interesse geopolítico e econômico do País. É natural que esteja cada vez mais isolado. Assim como os eleitores brasileiros já estão se divorciando dele, a opinião pública mundial também demonstra que a paciência chegou ao fim.

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