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sexta-feira, 14 de maio de 2021

ENTREVISTA; "MILÍCIAS E TRÁFICO SUSTENTAM REDUTOS ELEITORAIS NO RIO DE JANEIRO"

Por ipuemfoco   Postado  sexta-feira, maio 14, 2021   Sem Comentários



A cientista política Ilona Szabó foi integrada ao elenco dos 50 mais importantes pensadores do mundo em 2020 pela revista britânica Prospect. 


Mas talvez esse não tenha sido o maior prêmio de sua carreira. Em 2019, ela foi indicada pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, para assumir uma suplência no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Especialista na área de segurança pública, Ilona não receberia nenhum salário pela representação. 


No entanto, ataques de bolsonaristas nas redes sociais fizeram Moro revogar a nomeação. O posicionamento de Ilona, contrário à disseminação de armas pelo País, foi o tema mais sensível aos seguidores do presidente. 


Hoje, ela é diretora-executiva do Instituto Igarapé e falou à ISTOÉ sobre a política nacional e o massacre na Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.


A tragédia com 28 mortes na Favela do Jacarezinho reabriu o debate sobre a segurança pública no Rio de Janeiro. Como vê essa situação?

O estado do Rio de Janeiro convive há muitos anos com problemas que não enfrenta no âmbito da segurança pública, que tem a ver com domínio territorial. Para enfrentar o tráfico foi criado um remédio fora da lei, que são as milícias. Hoje o território dos milicianos já corresponde a 57%. Acredito que o Rio só vai dar a volta por cima no sentido da segurança pública se a gente trabalhar em três frentes. A primeira é a redução da letalidade. A segunda frente é o enfrentamento ao crime organizado. E a terceira questão é o combate à corrupção policial, que tem de pano de fundo a corrupção política no estado. O que se vê é uma estratégia baseada no confronto e na letalidade. Nos últimos 10 anos, foram mais de 9.200 pessoas mortas em ações policiais, que também vitimaram 241 agentes. A média de mortos no Rio é superior a dos Estados Unidos, que têm uma população de 300 milhões de habitantes.


Por que não existe uma resposta política para o problema?

Existe uma escolha política de não enfrentar os problemas de segurança pública, porque isso mexe com o poder, mexe também com a questão do curral eleitoral. Tanto a família do policial quanto as regiões dominadas pelo tráfico ou pelas milícias são usadas como curral eleitoral por políticos. A gente ainda não viu, no Rio, lideranças capazes de romper com essa lógica nefasta desse clientelismo corrupto que os agentes do estado participam há muitos anos, para que a gente tenha candidatos eleitos sem esse tipo de dívida. Em 2018 houve a eleição de um governador outsider com apoio bolsonarista e que tinha como slogan que ia “atirar na cabecinha dos bandidos”. O ex-juiz Wilson Witzel dizia que ia acabar com a corrupção e atirar nos bandidos. Terminou afastado por corrupção. Ele extinguiu em 2019 a Secretaria de Segurança Pública do Rio. Hoje é impossível apurar responsabilidades nas ações policiais. O seu sucessor, o atual governador Cláudio Castro, tem um alinhamento mais forte com o presidente Bolsonaro. Ele inclusive visitou o governador no dia anterior ao da tragédia do Jacarezinho, o que é muito simbólico. Hoje, cabe ao governador dar respostas.


Existe uma questão ideológica de fundo?

Há um problema de décadas no Rio, mas que se acentua quando o governo reforça o que de mais reacionário há e promove um debate de insegurança com o modus operandi do governo federal. Essa política autoritária e eleitoreira mexe com os nervos e manipula o pior das pessoas. Sem oferecer soluções. Esse tipo de governo joga ainda mais as polícias contra a sociedade. A polícia acaba sendo utilizada por governos que não têm comprometimento com a legalidade. A gente tem que se livrar dessa ideologia para voltar a ter uma convivência e construir um processo de valorização onde os policiais são guardiões da sociedade e não, guerreiros.


A operação tinha o objetivo de matar?

Evidências apontam para o excesso, não tenho a menor dúvida. O Ministério Público do Rio de Janeiro precisa responder o que houve. Não há justificativa para desobedecer uma ordem expressa do Supremo Tribunal Federal já que essa operação seria uma excepcionalidade. Falta transparência na ação da polícia no Rio. Até o momento foram entregues apenas 26 armas para a perícia, de um total de 200 policiais que participaram da operação. Até para preservar o nome da instituição tem que entregar todas as armas. Não pode pairar a menor dúvida. Inclusive para mostrar quem agiu corretamente. Até porque, em qualquer lugar do mundo sério e desenvolvido, toda operação policial tem que dizer o que deu certo ou errado.


Dá para ter uma pista do que aconteceu fora do normal?

A literatura diz que quando há morte de um policial no começo de uma operação, o comando deve recuar. Ao que consta houve essa morte no Jacarezinho. A morte do policial aumenta em dez vezes as chances de pessoas serem mortas no local no mesmo dia. E três vezes se continuar no outro dia. A tragédia da morte do policial no começo dos fatos pode ter se transformado numa sede de vingança. A operação se tornou uma caçada. E aí fica a pergunta se foi legítima defesa ou se foi execução? Relatos como o da criança de nove anos de idade, que afirma que um suspeito foi assassinado no quarto dela, demonstra que foi feita uma execução.


Essa ação foi influenciada pela relação do governador Cláudio Castro com o presidente Jair Bolsonaro?

Olhando de fora, houve uma visita do presidente Bolsonaro, ao governador, no dia anterior a essa operação. Não dá pra descartar a proximidade entre o governo do estado e o presidente, que, infelizmente, apoia essa guerra indiscriminada. É importante ressaltar que não há dicotomia entre o combate ao crime e o respeito às leis. Não há conivência com bandidos quando se respeitam as leis. Ficam as perguntas. Será que foi para desviar a atenção da CPI da Covid no Senado? Será que foi para mostrar um alinhamento entre as políticas e base eleitoral do presidente?


Ações como a liberação de armas proposta pelo governo federal incentiva a guerra fluminense?

É muito importante dizer que o combate ao crime organizado tem que ter como prioridade o controle de armas. Essa seria uma agenda básica. Inclusive, a atual política de armas coloca o policial em risco. Então, eu diria que não há uma real intenção de resolver a questão. Creio que o momento atual só agrava com o aumento do número de armas e tipos de calibre. Já existe situações que permitem a compra de verdadeiros arsenais. Há muitos casos de pessoas envolvidas com crimes, usando as prerrogativas legais para se armar. Obviamente que não contribui. Passa o recado errado. A gente precisa de governos que cumpram o primeiro objetivo do contrato social, que é proteger os cidadãos. O governo federal promove hoje o discurso do tiro, porrada e bomba.


Como fica a juventude das comunidades frente à violência do Estado?

Os jovens são os que mais matam e mais morrem. Seja no crime ou na polícia. A origem deles é pobre. Eles têm o mesmo ponto de partida. Eu sei o quão importante é a polícia para uma democracia. Por isso, eu gostaria que episódios como esse fizessem a instituição tomar um novo rumo. Seria importante rever os protocolos, assim como foi feito em São Paulo lá atrás com o caso do Carandiru e da Favela Naval. Foram casos que tornaram a polícia paulista muito mais profissional e tecnológica. Mas é óbvio que há uma desconfiança da comunidade no Rio. A comunidade está sob a ameaça do crime e da ação excessiva e descompromissada com a vida do estado. As pessoas que moram nas favelas precisam ter o mesmo tratamento das pessoas que vivem em bairros nobres da cidade.


O debate sobre os direitos humanos perdeu força?

É importante discutir a questão dos direitos humanos. Ninguém quer uma facção do tráfico dominando uma comunidade pela violência. Mas há uma dicotomia falsa de respeito aos direitos humanos. A extrema direita tem colocado no imaginário das pessoas que respeitar direitos é proteger bandidos, mas isso é leviano. A civilidade prevê o direito para todos. O desrespeito ao direito do outro, amanhã pode retirar o direito de qualquer um de nós. Esse tipo de retórica que manipula o medo e o ódio tem dominado o debate. O massacre do Jacarezinho traz à tona outro tema que é o excludente de ilicitude, que é uma agenda do presidente. A extrema direita sabe que esse tipo e medida corrói a democracia. Mas o discurso de proteger o contrato social nada tem a ver com defender bandido. Quem faz esse discurso é falso, leviano, e a gente precisa reformar essa narrativa.





Jair Bolsonaro e seus filhos não demonstraram compaixão pelos possíveis inocentes mortos no Jacarezinho, exceto o policial. É normal?

De jeito algum. A falta de empatia do presidente é inaceitável em qualquer governo. Só quando se pensa nas piores ditaduras do mundo que se vê esse tipo de comportamento. Não sabemos ainda quem morreu no confronto e quem foi o executado. Por isso não podemos dizer se eram bandidos. Mas essa foi a operação mais sanguinária da história. Esse discurso de letalidade e de manipulação do ódio sempre existiu, mas hoje saiu da condição de marginalidade e está no centro do poder. É um risco imenso. Era um discurso que a gente tentava lidar dentro do processo democrático, mas hoje tem o reforço de um Congresso comprado como a gente vê no escândalo do “tratorão”. Mesmo sendo um discurso de minoria, ganha ares de maioria pelo uso do poder e da força.


Houve omissão do presidente Bolsonaro em relação ao combate da pandemia de Covid-19?

Desde o início a escolha política foi errada. Foi uma escolha pela letalidade. Assim como está documentado em estudos e, principlamente, nos discursos do presidente. A tentativa de criar uma imunidade de rebanho significou, na prática, deixar morrer. Por não priorizar as medidas que o mundo inteiro estava tomando e seguir dizendo que eram fatalidades. Tem uma política de morte orientada por Bolsonaro. Ele repetiu isso no trânsito, nos armamentos, na pandemia e no meio ambiente. Tudo indica que foi uma ação deliberada para que o vírus se espalhasse. Sabendo que o número de mortes seria maior se não fossem as ações dos governos municipais e estaduais. Temos um governo que não respeita o luto e não promove a cura.


Essa ideia de manter exclusivamente os mais fortes tem uma fundamentação autoritária?

Quando a gente estuda governos fascistas, nazistas e ditaduras aparecem muitas semelhanças com o governo Bolsonaro. Há essa opção pela superioridade que está no discurso. Tem traços absolutamente semelhantes e assustadores de regimes totalitários que causaram muito sofrimento ao mundo como um todo. Eu acho que a gente está falando de pessoas que sabem o que estão fazendo, conhecem outras histórias e seguem essa cartilha.

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