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sábado, 15 de fevereiro de 2020

O AMOR É (QUASE) LINDO

Por ipuemfoco   Postado  sábado, fevereiro 15, 2020   Sem Comentários


Entre, aqui, na cabeça e na alma de Sérgio Cabral — e descubra por que ele decidiu delatar a sua esposa, a advogada Adriana Ancelmo.

Bom poeta e bom caráter, o excelente homem Vinicius de Moraes foi definitivo sobre o amor: “(…) que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. Mau político e mau caráter, o ex-governador Sérgio Cabral, a seu modo, também fez lá o seu verso: que não seja imortal posto que é ladroagem, mas que seja infinito enquanto em liberdade. 

O que se quer dizer é que o amor de Cabral a sua esposa, a advogada Adriana Ancelmo, foi lindo somente enquanto ele governava e rapinava o Rio de Janeiro, embora, já aí, olhando a coisa bem de perto, era possível enxergar alguns atalhos nesse afeto – ele chegou a abrilhantá-la com um anel de R$ 800 mil, feito agrado de príncipe à consorte, só que o dinheiro para a aquisição da joia não saiu de seu bolso. Cabral está preso no complexo penitenciário de Bangu e condenado, até agora, a 282 anos de reclusão.

Como diz a voz corrente saída das celas nas quais apodrecem anônimos, a cadeia pesa. E, claro, pesa também para prisioneiro famoso. O ex-governador obteve do STF a homologação de sua delação premiada proposta à Polícia Federal. 

E eis que, em sua primeira audiência nessa nova fase processual, na segunda-feira 10, Cabral, que de pés juntos jurava que sua mulher não sabia de nada sobre as gatunagens que fez no governo, entregou Adriana às autoridades. Eles seguem casados no papel, mas ela não usa mais aliança.

Lição de Oscar Wilde

Tenta ele, assim, algum benefício de pena, algo na linha “vão-se os anéis (até os de R$ 800 mil), ficam os dedos”. 

Mas quem tem quase trezentos anos nas costas, por mais que consiga benefícios, terá de cumprir no mínimo três décadas em regime fechado. Será, então, que é por vingança? 

Será que bateu nele o sentimento de… não vou mais segurar tudo sozinho… Nada disso: trata-se de estratégia de defesa, incriminar diretamente a esposa dá-lhe maior credibilidade na delação. 

De volta à voz corrente das cadeias, todo malandro segue uma regra: “mulher da gente, a gente não arrasta”. Pois é, Cabral arrastou. Ele disse ao juiz Marcelo Bretas que a Adriana (em liberdade com tornozeleira) sabia muito bem de seu caixa paralelo engordado com propinas e dele usufruiu o tempo todo, como bem quis. 

Mais: “sem osso na língua” (ah, a linguagem da cadeia), o ex-governador detalhou um dos esquemas, confirmando as acusações do MP – ele, Cabral, dizem os procuradores, ocultou cerca de R$ 4 milhões desviados com auxílio de um empresário, dono da rede de restaurantes Manekineco. 

Adriana valia-se de seu escritório de advocacia para esquentar o dinheiro. “Eu confirmo a emissão de notas fiscais por parte do escritório de minha mulher (…) com recursos indevidos obtidos por mim”.

Mede-se o caráter de um homem nas situações limites, nos momentos de extremo padecimento, e Cabral mostrou que o seu caráter é frágil – mas, deixemos claro, aqui, que se Adriana de fato está envolvida na roubalheira, tem de ser presa. 

O ex-governador não é o primeiro nem será o último prisioneiro a se render. Igualmente a cadeia pesou para o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, que partiu para a delação premiada, decidiu não mais se sacrificar sozinho, e envolveu na corrupção o nome de seu pai, Emílio Odebrechet. 

Deu o serviço, e adeus tentativa de salvar a empresa – Marcelo implodiu e explodiu a construtora da família, deixou a cadeia e foi para casa. Falando em Odebrecht, o ex-ministro petista Antonio Palocci também cansou da prisão e na negociação da delação lembrou daquilo que jamais esquecera: o amigo Lula, segundo ele, teria recebido até em espécie dinheiro de propina da empresa de Marcelo. Amigos, amigos, cadeia à parte.

Delatar, sem dúvida, é antiético, sobretudo delatar a mulher, ainda que ela seja cúmplice e tenha propinado. Talvez valha a pena (será que vale?) dizer a Cabral que um dos maiores escritores e dramaturgos de todos os tempos, o irlandês Oscar Wilde, foi preso na Inglaterra em 1895 porque mantinha íntimas relações com o lorde Alfred Douglas de Queensberry.

Homossexualismo era crime naquela época. O lorde o renegou e o acusou de difamação. Na prisão, Wilde escreveu um de seus mais belos poemas, intitulado “De profundis”. Nele, admitia que seguia amando aquele que o traiu. E jamais o delatou.ISTOÉ

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