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domingo, 9 de dezembro de 2012

DOCUMENTOS SECRETOS DA DITADURA

Por .   Postado  domingo, dezembro 09, 2012   Sem Comentários

Eu morava no 209-A. As paredes estavam forradas de fotos do Che Guevara, em algumas, como um galã de Hollywood, de calça jeans, sem camisa, fumando Havanas, quando dois policiais entraram. Numa moldura bonita, presente do meu irmão, havia uma foto do meu ídolo na sua pose clássica, aquela com estrelinha na frente da boina. Um dos policiais foi objetivo, pegou o quadro da parede e falou: ‘Este merece ser levado.’ Num instante o quadro já estava em minhas mãos. Eu disse: ‘Esse não.’ E, já com o quadro no chão, eu pisoteava o pobre Che, como uma possessa, enquanto me desculpava em voz alta com ele: ‘Desculpe, Che, mas não vou deixar que eles te levem.’”

Esse é o início do depoimento da aposentada paulista Rute Maria Bevilaqua, 66 anos. Em 1968, aos 22 anos, ela cursava física e morava em um dos apartamentos do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), quando ele foi tomado por agentes da ditadura da polícia e do Exército à caça de comunistas.
Cena 2: “A caminho do presídio em um ônibus, um policial, ao lado da porta do motorista, portava uma arma de cano longo e olhava pra gente. Quando o ônibus ia entrar na rua Rego Freitas, na esquina com a Consolação, eu joguei para fora um livro com um bilhete na primeira página. 
Nele, eu dava dois números de telefone, explicava que estávamos sendo todos presos, ‘centenas de pessoas’, e pedia que quem pegasse o livro, por favor, avisasse meus pais. Imagine o tamanho da idiotice e das consequências: meus pais eram comunistas com várias passagens pelo Dops (o extinto e temido Departamento de Ordem Política e Social). 
Naquele dia, o mais comprido da minha vida, mais emoções nos esperavam.”
Rute estava entre os 800 estudantes presos por autoridades do governo no Crusp, um centro de mobilização de jovens contra a repressão do governo militar da época. Nesse episódio que marcou a história da maior universidade brasileira, tropas do Exército e tanques evacuaram o prédio e portas de apartamentos foram abertas a pontapés enquanto soldados ficavam de tocaia entre galhos de árvores. 
Fichada pela Delegacia Especializada de Ordem Política, Rute foi acusada de “transportar lajotas e ‘molotov’ na invasão do Crusp”. Assim está escrito nos registros dela que ISTOÉ revela com exclusividade. A ficha não estava nos arquivos do Dops que foram liberados para consulta pública em 1994. O documento não tinha vindo a público até hoje porque o ex-delegado do Dops Tácito Pinheiro Machado o escondeu por décadas em sua residência.
A ficha de Rute foi encontrada por acaso por um ex-cortador de cana em uma casa abandonada no meio de uma fazenda que pertenceu a Machado, em Jaborandi, interior de São Paulo. No total, foram descobertas ali 110 fichas de pessoas tachadas de subversivas. E mais: boletins culturais censurados, um manual de subversão e contrassubversão que ensinava policiais a identificar os comunistas e envelopes classificados como “secreto”, “confidencial” e “reservado” de ministérios, embaixadas, universidades e igrejas enviadas a um outro delegado do Dops, Alcides Cintra Bueno. Todo esse material – que ainda não foi colocado à disposição para consulta porque vem passando por uma espécie de restauro feito pelo Arquivo Público de São Paulo, para onde ele fora enviado após ser encontrado em 2007 – foi compilado minuciosamente em um livro, “Memórias da Resistência” (Compacta Gráfica e Editora), cujo lançamento está previsto para sábado 8 na cidade paulista de Franca.
Sua publicação, além de trazer à luz um material inédito, mostra que agentes da repressão tentaram sumir com provas sobre os Anos de Chumbo. A ocultação em ambiente privado de documentos produzidos em órgãos públicos do regime militar era o modus operandi entre as autoridades e estabelece uma nova linha de investigação para a Comissão da Verdade. “Essa documentação encontrada na fazenda em Jaborandi abriu um precedente para se averiguar se há outros materiais espalhados por aí que não chegaram até nós”, afirma a historiadora Rafaela Leuchtenberg, diretora do Fundo Dops do Arquivo Público, para onde foram recolhidas em 1991 todas as informações produzidas pelo Dops que se encontravam em posse da Polícia Federal. “Não tínhamos no acervo fichários da delegacia de ordem política, como as achadas em Jaborandi, mas apenas da delegacia de ordem social.” Esse caso precipitou uma recomendação feita pelo Ministério Público Federal à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para que toda a documentação produzida nas delegacias do Estado na ditadura militar (1964-1985) fosse enviada ao Arquivo Público.


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