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sábado, 24 de julho de 2021

AS TRAPALHADAS SUSPEITAS DO GENERAL

Por ipuemfoco   Postado  sábado, julho 24, 2021   Sem Comentários

 


Vídeo que mostra negociata é a prova definitiva do desgoverno na gestão de Eduardo Pazuello na Saúde. Agora, Bolsonaro protege o ex-ministro para não naufragar diante das denúncias de corrupção com vacinas.


Não há personagem que represente melhor a alma do governo Bolsonaro do que o general Eduardo Pazuello. Alçado ao cargo para implementar as diretrizes negacionistas no Ministério da Saúde, em plena pandemia, também serviu como uma cunha para a entrada de militares na administração federal e, no caminho inverso, para a infiltração do bolsonarismo nos quartéis. 


Fez uma gestão medíocre marcada pela inação na compra de vacinas, carência de insumos básicos como oxigênio e distribuição de remédios sem eficácia contra a Covid. O que o País ainda não sabia, e descobriu escandalizado, é que o militar também transitava entre as tratativas que transformaram a pasta em um balcão de negócios escusos com a pandemia.


O papel mais abjeto do general até agora foi revelado por um vídeo gravado por ele mesmo em 11 de março, quando recebeu fora da agenda um grupo de empresários que oferecia 30 milhões de doses da Coronavac por um preço quase três vezes superior ao negociado pelo Instituto Butantan. 


O interlocutor de Pazuello, chamado de John, agradeceu as “portas abertas” do Ministério e disse que gostaria de negociar mais insumos, além da vacina. É ocioso lembrar, mas não custa: a Coronavac é a vacina que o Instituto Butantan oferecia desde julho de 2020 e Bolsonaro vetou, levando o próprio Pazuello a registrar essa recusa ao lado do presidente, na frase que resumiu a filosofia da gestão (“um manda, outro obedece”). Também é um imunizante negociado no Brasil com exclusividade pelo Butantan. 


Então qual era a credencial para atravessadores oferecerem com sobrepreço escandaloso dois meses depois de o próprio governo adquirir 100 milhões de doses do instituto paulista? Essa revelação deixou indignado o governador João Doria, que bancou o imunizante contra toda a pressão federal. “Uma vergonha nacional!”, afirmou.


No dia seguinte à divulgação do vídeo, o general negou com veemência que tivesse negociado a compra da Coronavac com intermediários, apesar do vídeo mostrar que anunciou a assinatura de um memorando de entendimentos para concretizar o negócio “o mais rapidamente possível”. Pazuello divulgou uma nota que mais parece uma confissão de culpa — como mau gestor, no mínimo. 


“Após a gravação, os empresários se despediram e, ato contínuo, fui informado que a proposta era completamente inidônea e não fidedigna. Imediatamente, determinei que não fosse elaborado o citado memorando de entendimentos, assim como que não fosse divulgado o vídeo realizado”, divulgou.

“Quando se fala em propina, é pelado dentro da piscina. Se fosse secreto, ele não dava entrevista” Jair Bolsonaro

Ou seja, foi ludibriado, não mandou investigar o negócio que chamou de “inidôneo” e registrou em vídeo uma reunião da qual diz não ter participado. Um tiro no pé. Por essa versão patusca, não agiu de má fé, apenas se deixou enganar. Essa competência é aceitável para o titular de uma pasta que movimenta recursos de R$ 148 bilhões?

Mas Pazuello não perdeu a empáfia com o episódio. Declarou que “em momento algum” negociou vacinas com empresários, “fato que já foi reiteradamente informado na CPI e em outras instâncias judicantes”. O vídeo gravado não foi o único episódio de arrogância irracional. Em seu depoimento à CPI, o ex-ministro também procurou dar uma lição de moral aos senadores, ao tentar justificar a omissão nas tratativas com a Pfizer. 


“Eu sou o dirigente máximo, sou o decisor. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo. O ministro jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso”, afirmou. Não é o que as imagens mostram. Elas revelam no mínimo mais uma trapalhada suspeita do militar.


O episódio foi o coroamento, por assim dizer, de uma gestão temerária e indefensável. Pazuello foi por 20 dias secretário-executivo de Nelson Teich, quando este assumiu no lugar de Luiz Henrique Mandetta, e tornou-se interino em junho de 2020 com a demissão do ministro que não queria defender remédios sem eficácia. 


O general topou esse papel e tomou posse em setembro de 2020. No auge da pandemia, não fez o mais importante para combater a doença. Descartou os imunizantes em desenvolvimento, especialmente os esforços do Butantan, que viabilizou os testes que levaram à adoção da Coronavac. Também negligenciou as iniciativas do consórcio Covax Facility, da ONU, que corria para preparar antídotos em escala global. 


Depois de meses de hesitação, o Ministério da Saúde concordou em aderir para vacinar apenas 10% das pessoas (poderia optar por 50%). Apresentado por Bolsonaro como um expert em logística, o general também falhou miseravelmente em levar insumos e se antecipar à emergência que teve o episódio mais dramático na falta de oxigênio em Manaus, em janeiro.


Os fatos que estão sendo descortinados pela CPI da Covid mostram, em contraste, um empenho excepcional em atuar com atravessadores duvidosos, fechar contratos suspeitos e buscar por vias tortuosas imunizantes que não existiam. Não há, até o momento, nenhum indício de que o general tenha se beneficiado financeiramente dos esquemas que foram denunciados. 


Porém, a dúvida é inescapável: ou o general estava perdido no descalabro em que o Ministério tinha mergulhado, e daí não estava à altura do cargo, ou estava ciente de que havia um propinoduto em operação, e não reagiu. De qualquer forma, o retrato da sua gestão é espantoso.


Entre os esquemas já desvendados, estão a compra suspeita de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin da Precisa Medicamentos, uma empresa coligada a outra que já havia dado um calote de R$ 20 milhões no Ministério da Saúde. O dinheiro para essa operação, R$ 1,6 bilhão, já tinha sido empenhado sem que o imunizante tivesse sido aprovado pela Anvisa. 


A tramoia foi abortada pela denúncia feita pelo deputado Luis Miranda ao próprio presidente, que não acionou a PF. Ao contrário, o Planalto tenta agora jogar a PF para investigar os acusadores. Esse episódio colocou Bolsonaro no centro da crise e o levou a ser investigado por crime de prevaricação. Outro esquema que envolve a compra de 400 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca por meio de um intermediário americano, a Davati. 



A operação foi cancelada após denúncia de um PM mineiro, que teria recebido o pedido de propina de US$ 1 por dose do então diretor de logística do ministério, Roberto Ferreira Dias. Esse cambalacho teria contado com a intervenção até de um reverendo com acesso ao presidente. Dias ressaltou à CPI que, na época, todas as compras de vacinas passavam pelo secretário-executivo da pasta, coronel Élcio Franco, o braço direito de Pazuello.



Investigações

Acostumado a dar ordens para tropas e subordinados, o general sempre se mostrou desconfortável para prestar contas à CPI, e chegou a adiar o seu depoimento alegando que tinha tido contato com uma pessoa contaminada com Covid. Mas, na quarentena, foi flagrado em reunião com o secretário-geral da Presidência. 


Poucos dias antes de depor, também foi visto passeando sem máscara em um shopping de Manaus. A soberba fez com que apresentasse versões fantasiosas. Negou, por exemplo, que tivesse recomendado o tratamento precoce, apesar de ter comandado uma equipe que estava mobilizada com esse fim, com uma auxiliar que tinha o apelido de “capitã cloroquina”. 


Até um aplicativo para isso foi desenvolvido pelo Ministério, o TrateCov. Pazuello disse que se tratava apenas de um “protótipo hackeado”. Foi desmentido por um vídeo da própria TV Brasil, que anunciou o lançamento desse aplicativo em Manaus, em janeiro.


O serviço público é feito de um conjunto de regras diligentes e assentado em uma burocracia extenuante exatamente com o objetivo de garantir transparência e controle sobre todas as etapas dos processos. É inexplicável que Pazuello tenha atropelado todos os protocolos e recebido indivíduos e empresas completamente desqualificadas. Falha de avaliação ou açodamento não abonam sua conduta. 


Por isso, desde que foi demitido em 23 de março, é investigado em múltiplas frentes. Pela PF, por omissão na crise do oxigênio em Manaus, em inquérito pedido pela Procuradoria-Geral da República. Em outro processo, a PF o investiga por improbidade administrativa a partir de inquérito aberto pela Procuradoria do Distrito Federal. 


A apuração envolve uso ilegal de dinheiro público para comprar remédios sem eficácia, se houve omissão com vacinas e também por baixa execução dos recursos para a pandemia. Se comprovadas as suspeitas, ele pode perder os direitos políticos e ter que ressarcir os cofres públicos. Órgãos de controle, como PGR e TCU, também têm procedimentos que podem levar a outras investigações.


Por isso e pelo fato de Pazuello guardar muitas informações sobre o Ministério da Saúde, Bolsonaro foi obrigado a blindá-lo, premiando-o com um cargo no Palácio do Planalto. O general está abrigado na Secretaria de Estudos Estratégicos (seu ex-número dois, o coronel Élcio Franco, também atua no Planalto, como assessor especial da Casa Civil). 


O general não tem funções específicas. Mantê-lo encostado é bastante conveniente ao presidente, inclusive pela questão militar. Esse é um problema ainda em evolução, o que pode ser visto pelas recentes declarações golpistas do ministro da Defesa, Braga Netto. 


Ao participar de uma motociata de apoio a Bolsonaro e infringir o estatuto das Forças Armadas, Pazuello levou na prática o Exército a se dobrar ao presidente. Como o comando da corporação decidiu não puni-lo, Pazuello tornou-se o símbolo da adesão fardada ao bolsonarismo. 


Como reação, ganha força no Congresso o projeto de mudança constitucional com o objetivo de impedir que militares da ativa participem de governos. Batizado de “PEC do Pazuello”, o projeto da deputada Perpétua Almeida (PCdoB) ganhou 189 assinaturas para tramitar, 18 acima do necessário. Há um longo caminho para a aprovação (três quintos da Câmara e do Senado, em duas votações), mas essa eventual aprovação pode ser um dos raros legados positivos do general.


Enquanto isso, presidente e ex-ministro são condenados a ficarem unidos. Pazuello precisa de Bolsonaro para se blindar, mas o presidente também depende do militar, já que ele pode detonar o governo com as informações que detém. É essa lógica que explica a ligação umbilical entre os dois. O vídeo demolidor de Pazuello negociando a Coronoavac ampliou ainda mais a pressão sobre Bolsonaro, que tenta se desvincular dos escândalos em série. 


Ao sair do hospital em São Paulo, onde se recuperava de uma obstrução intestinal, o presidente tentou isentar o ministro com uma boutade. “Quando fala em propina, é pelado dentro da piscina”, disse, mostrando mais uma vez intimidade com o léxico da bandidagem. “Se fosse propina não dava entrevista, meu Deus do céu, não faria aquele vídeo”, afirmou aos repórteres. E ainda tentou desviar o foco da acusação para a própria farmacêutica Sinovac e para o Butantan. 


Em entrevista a uma rádio paranaense, afirmou que havia recebido uma oferta da companhia chinesa de doses a US$ 5, e que havia encaminhado a proposta para a CGU e para o TCU por suspeitar de irregularidades. “Por que metade do preço agora? O Instituto Butantan também foi oficiado. Pode ser que não haja nada de errado nisso tudo, mas o Butantan nunca nos apresentou a planilha de preços. É assustador.”


A reação destemperada, assim como a contra-acusação estapafúrdia, ocorreu porque o presidente sabe que as suspeitas de corrupção com vacinas causaram o maior rombo ao seu capital político até agora, aumentando o risco do impeachment e minando sua reeleição. Para políticos, como o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, Pazuello é a figura que pode fazer o escândalo das vacinas chegar ao Palácio do Planalto. 


É o que já constatou a CPI da Covid. Mas o presidente e o seu general seguem apostando na desinformação e no blefe, dentro ou fora da piscina. “Brasília é o paraíso dos lobistas, dos espertalhões. Ou não é?”, disse aos repórteres, tentando abonar a retidão do ex-ministro exatamente porque ele se deixou pilhar em meio a uma negociata. Pois é.ISTOÉ 

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