Jair Bolsonaro e Lula provocaram o extremismo para crescer e dependem um do outro para se manter em evidência.
Mas a sociedade cansou. Os dois foram os grandes derrotados das eleições. A população rejeitou o ódio e a demagogia.
O PT surgiu no final da ditadura a partir do novo sindicalismo, dentro de uma realidade econômica mais moderna e contra o peleguismo — as lideranças que se perpetuavam no domínio da esquerda. Hoje, essa base de sustentação não faz mais sentido.
Não é surpresa que o PT tenha perdido de forma retumbante no seu berço político, São Bernardo do Campo, e teve como um dos únicos triunfos a vitória em Diadema, também no ABC paulista, cidade em que conquistou a sua primeira prefeitura em 1982.
“O segundo turno mostrou que a esquerda sabe lutar. Nosso desempenho nas grandes cidades e a unidade que construímos em tantas delas confirma que temos uma alternativa para o Brasil”, tentou remediar a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann.
Omitiu que o partido se recusou a compor com outros partidos em São Paulo e amargou o pior resultado da história na cidade, com menos de 9% dos votos, dados a um representante do politburo, Jilmar Tatto.
Mais realista, o senador Jaques Wagner (PT-BA) defendeu uma renovação: “A gente não pode ficar refém. Eu sou amigo, irmão do Lula, mas vou ficar refém dele a vida inteira? Não faz sentido”. O partido, que já perdeu a supremacia na esquerda, fica cada vez mais com a cara do velho partidão: uma agremiação que tenta ser hegemônica e só serve a própria cúpula.
Por isso, o campo progressista já se afasta do petismo. Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB) são a nova face da esquerda. Até Marília Arraes, a candidata petista que chegou ao segundo turno em Recife, é quase uma rebelde na estrutura do partido.
João Campos (PSB), o mais jovem prefeito da história da capital pernambucana, com 27 anos, venceu numa guerra contra o próprio PT. São lideranças que, para crescer, abandonam cada vez mais a claque lulista. Ainda assim, com exceção de Campos, todos fracassaram.
Centro ganha espaço
Isso abre espaço para o centro em 2022. PP, PSD, DEM e PL aumentaram consideravelmente o número de prefeitos. PSDB e DEM, que triunfaram em estados-chave e populosos, podem formar uma coligação forte em 2022. Os dois, com o MDB e o PSD, vão governar mais de 50% dos habitantes no País.
O governador João Doria é o principal candidato desse campo, e costurou com sucesso a união dessas legendas na capital paulista. Outra opção do centro, o apresentador Luciano Huck, ainda é uma incógnita. Tem a seu favor a projeção midiática, com fundo conservador e verniz social, mas seria mais um nome de fora da dinâmica partidária.
Com o desgaste da antipolítica representada por Bolsonaro, há dúvidas se há espaço para um novo salvador da pátria. Os partidos do Centrão, turbinados nas urnas, e as legendas de esquerda, que colheram bons resultados pontuais, sonham com uma chance em 2022. Mas devem se aglutinar em torno de nomes consolidados nacionalmente.
Seja qual for a evolução do cenário, está claro que os elementos de fundo que geraram o radicalismo estão arrefecendo. O PT governou o País por 13 anos e meio. Sua recusa em ceder o poder e a irresponsabilidade fiscal ampliaram a aversão à esquerda.
Desde os anos 1990, quando a hiperinflação foi derrotada pelo governo reformista do PSDB, o eleitorado tem reafirmado que rejeita aventuras econômicas ou a volta do populismo fiscal. Lula só chegou ao poder nos anos 2000 depois de renunciar ao radicalismo. Assim, o momento atual é como um retorno à conciliação.
A maioria da população certamente não compartilhava as teses negacionistas, autoritárias e arquiconservadoras do capitão do baixo clero, mas aderiu à força que encarnou o antipetismo com mais eficiência.
O fato de o PT transformar o colapso da sua administração e a punição criminal de seu maior líder em uma cruzada internacional só alimentou o fantasma da perpetuação petista, inflando o bolsonarismo. Essa tensão já não está presente.
Com o PT na lona, Jair Bolsonaro, seu inimigo mais estridente, se enfraquece. Seu discurso do combate à “ameaça comunista” cai no vazio. Já que exibe uma administração medíocre — quando não criminosa —, ele tende a conversar com uma parcela cada vez menor da população e terá mais dificuldades na própria extrema-direita.
Os temas que o colocaram no poder já não são os mesmos. Com os escândalos criminais do seu clã cada vez mais expostos, a defesa anticorrupção sumiu. A pauta de costumes já não tem a mesma adesão.
A classe média se desiludiu. Pesa ainda o problema crônico da governabilidade. Bolsonaro precisa da polarização para se manter em evidência, mas com ela arrisca perder sua cadeira no Palácio do Planalto. Ele precisou arrefecer o discurso do ódio para evitar o impeachment e governar, atraindo o Centrão e aglutinando uma base parlamentar mínima. Mas isso o afastou dos seus militantes.
É cada vez mais difícil uni-los. Atualmente, a rejeição à vacinação obrigatória contra a pandemia, “em nome da liberdade individual”, tornou-se a grande bandeira do presidente para aglutinar seu público cativo, como aponta pesquisa em curso dos cientistas políticos Carlos Pereira, Amanda Medeiros e Frederico Bertholini, com apoio da FGV. Mas, daqui em diante, depois da surra nas urnas, o mandatário vai precisar moderar a cantilena reacionária para evitar se isolar ainda mais.
Democracia fortalecida
Os extremos se fortalecem em momentos de instabilidade, mas o eleitor premiou governantes que mostraram responsabilidade diante da pandemia. O índice de reeleitos cresceu, especialmente por causa dos prefeitos que mostraram coerência e firmeza na crise sanitária.
Aí, o Brasil também reproduziu a mesma dinâmica que os EUA exibiram em novembro. A resposta errática à pandemia foi uma das principais causas da derrota de Donald Trump e do triunfo de Joe Biden. O democrata é um nome do establishment político que representa a experiência e o comedimento. Como também aconteceu nos EUA, outro elemento importante para frear os fanáticos foi o maior controle das redes sociais.
Lá, isso foi determinante para desarmar a máquina de desinformação de Trump. Aqui, teve efeito semelhante nas hostes bolsonaristas. As redes estiveram mais atentas e coibiram a propaganda de ódio e a propagação de notícias falsas. Ainda mais importante, os inquéritos do STF que investigam os atos antidemocráticos e as fake news estão produzindo efeitos práticos e fecham o cerco sobre as milícias digitais.
A lisura do pleito marcou um anticlímax para os fanáticos. Ao invés de confrontos e instabilidade, houve uma campanha mais civilizada em cidades como São Paulo. Os debates também saíram do patamar puramente ideológico para abordar planos de governo e propostas concretas. Que essa tendência se firme até o próximo ciclo eleitoral. É uma lição para as forças que tentaram, mas não conseguiram, abalar a democracia. Precisarão se reinventar para sobreviver.
O bolsonarismo ganhou tração prometendo acabar com a velha política, mas reuniu os piores vícios da nossa história institucional, inclusive a ameaça de retrocesso autoritário. O petismo emergiu como esperança para diminuir a desigualdade e acabar com os vícios e crimes na administração pública.
Mas entregou a maior recessão da história e um esquema gigantesco de corrupção que deformou a própria democracia. Cansado de ilusões e promessas levianas, o eleitor mostrou que espera mais realismo. No mundo, como no Brasil, é hora de voltar à normalidade e trilhar um caminho mais construtivo.ISTOÉ
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