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sábado, 6 de abril de 2019

ENTREVISTA; O PRESIDENTE INSISTE NO CAMINHO DO IMPEACHMENT

Por ipuemfoco   Postado  sábado, abril 06, 2019   Sem Comentários


O jurista Miguel Reale Jr, de 74 anos, está incomodado com os resultados pífios dos primeiros cem dias do governo de Jair Bolsonaro. 
Para ele o presidente é inoperante, não se envolve com os problemas fundamentais do País, diz repetidas tolices e só se move pela via do conflito, do antagonismo e da busca de inimigos. Tenta, além disso, reproduzir a antiga ideologia da Lei de Segurança Nacional e se apresenta como um governante que está salvando o País contra o avanço da esquerda, que, neste momento, está paralisada. 

“Não existe nada que seja pacífico, nada que seja harmônico. O que me assusta é o anacronismo de trazer de volta a mentalidade do passado”, diz Reale. “Corremos o risco de entrar numa ditadura por meio do voto”

Em março, diante da publicação pelo presidente de um vídeo pornográfico nas suas mídias sociais, o jurista chegou a considerar um pedido de impeachment por falta de decoro. Desistiu da ideia porque ainda não existem condições políticas para um pedido desse tipo. Mas, pelo comportamento do presidente, essas condições podem surgir rapidamente.

O que o senhor achou desse esforço do governo para comemorar o Golpe de 64? É algum tipo de provocação?

O presidente Jair Bolsonaro desconhece a história brasileira, desrespeita aqueles que lutaram pela liberdade durante tantos anos e desrespeita os que foram torturados pelo major Ustra ou por outros membros dos organismos sigilosos de repressão. Faz tábula rasa do passado, do sofrimento e da luta que tantos empreenderam, inclusive eu. É um desrespeito, um acinte à história. Para que isso? Para reproduzir essa ideologia da Segurança Nacional. É sempre a mesma ideia. Na hora que quer fazer uma releitura do golpe, ele diz que é um ato de salvação do Brasil contra a esquerda. Na verdade, ele quer justificar esse mote do governo dele, que é sempre de oposição a algo, sempre de guerra, sempre de conflito. Não existe nada que seja pacífico, nada que seja harmônico. O que me assusta é o anacronismo de trazer de volta aquela mentalidade do passado.

Que mentalidade?

A mentalidade do confronto, da Lei de Segurança Nacional. O que é a Lei da Segurança Nacional? É o antagonismo. É combater os antagonismos que visam evitar os objetivos nacionais permanentes. O tempo inteiro esse sujeito, o presidente da República, vive no antagonismo. Ele vai plantar uma oliveira em Israel e diz que a oliveira dele vai crescer mais do que a do Lula. O tempo inteiro tem uma contraposição, uma litigiosidade. Nada é prospectivo, nada é no sentido positivo. O tempo todo ele precisa da contraposição, ele precisa de inimigo. É uma obsessão com o inimigo.



Como disse Umberto Eco, a mídia social deu voz ao idiota, que antes não tinha como vocalizar e agora tem 

Como a afirmação do presidente de que o nazismo é de esquerda?

Isso é uma tolice gigantesca. Ele não conhece nada da história. O Partido Socialista e o Partido Comunista na Alemanha foram perseguidos. A maioria de seus membros foi morta. O principal eixo de ação policial da Gestapo e da SS eram os partidos comunista e socialista. Todo o ideário nazista é tipicamente, claramente, baseado no heroísmo e sustentado no pensamento de direita, não de igualdade.

No Carnaval teve a publicação do vídeo pornográfico no Twitter do presidente. Como interpretar isso?

Acho que se deve ter uma visão de conjunto de todos os atos que o presidente vem praticando para compreender a motivação e a dinâmica desse comportamento. Ele ataca a imprensa, ataca a formação esquerdista da academia brasileira. Ou seja, o presidente atua sempre com respostas a situações que lhe são críticas de uma forma visceral, e isto aconteceu no caso da divulgação do vídeo. É uma resposta de maneira bruta às críticas que ele recebe. Não foi nenhuma questão moral que levou o presidente a divulgar o vídeo. Foi uma retaliação contra o Carnaval. Veja no que muitos blocos se transformaram? Ele generaliza aquele ato e estabelece uma identidade falsa entre o ato e a ação dos blocos. Por que? Porque muitos blocos fizeram críticas a ele.

O senhor falou que a publicação do vídeo poderia ser passível de um pedido de impeachment. É mesmo?

É passível de impeachment porque o impeachment precisa ter a configuração de um delito político e o delito está na falta de decoro. Enviar esse vídeo para a população brasileira com acesso à internet foi escarradamente uma falta de decoro. Esse é o pressuposto jurídico, falta o pressuposto político. Acho que politicamente agora não tem viabilidade, nem haveria caminho, mas o presidente está insistindo em abrir esse caminho para o impeachment.

Dá a sensação de que o presidente se sente livre para fazer o que quer?

Ele sente-se poderoso, ele é um mito sem dizer nada, sem pensar nada. E ele foi incensado para isso. Sem esforço nenhum se tornou um líder depois de 28 anos de uma legislatura medíocre.

E esse uso intensivo das redes sociais. Como o senhor vê isso e como associa esse uso à democracia?

A rede social é um novo agente político. Elas são capazes de desconstituir, mas não de constituir. E se vê que quando a mídia social vai constituir um governo, ela está multifacetada, com opiniões que são muito mais emocionais do que fundamentadas em propostas, ideias e avaliações. Ela trabalha só com elementos emocionais e toca nos pontos da superfície, como em questões de costumes e de defesa, por exemplo.

Ela não reflete a opinião pública?

Ela reflete uma opinião emocional, não refletida. Ela deu voz, como diz o Umberto Eco, ao idiota, que antes não tinha como vocalizar e agora ele vocaliza sua opinião e se sente no direito de criticar todo mundo, de forma até baixa, de fazer as relações as mais absurdas.

O senhor acha que ele está adiando o enfrentamento dos problemas?

As vezes em que ele foi falar sobre questões de governo foi um desastre. Quando ele vai falar sobre economia, ele fala e, em seguida, é interpretado. Na verdade ele vive como se precisasse sempre ser interpretado, ou pelo ministro da Economia ou pelos militares que o cercam.

Os militares viraram uma força moderadora?

Moderadora, interpretativa e acomodativa. Primeiro porque o mundo evoluiu de tal forma que o mundo não permite mais ditaduras. Existe uma rejeição a qualquer ato de ditadura e isso seria inadmissível na comunidade internacional. E depois, o Brasil se consolidou como democracia, apesar de todos os partidos políticos estarem fragilizados houve uma consciência democrática que se cristalizou especialmente junto à classe média, à intelectualidade e à massa crítica do país.

Mas a oposição parece muito enfraquecida.

Não existe. A classe política foi vitimada pelas denúncias de corrupção e pegou os dois partidos que eram mais organizados e pensantes, que são o PT e o PSDB. Lideranças importantes dos dois partidos, desde um Lula até um Aécio, foram atingidas. E isso fragilizou muito os partidos políticos, mas eles ainda estão estruturados e têm capacidade de mobilização contra qualquer ato que vá violar a democracia. Há também o movimento sindical e as entidades da sociedade civil brasileira, que estão muito amortecidas, mas no momento em que acontecer alguma coisa mais grave haverá uma reação.

Que tipo de coisa grave?

Temos que esperar. Ele só tem uma bala de prata para tentar compor seu governo com uma perspectiva de médio prazo, que é a Reforma da Previdência. Ele já disse que não dá para governar o País com Congresso Nacional, falou isso numa entrevista que deu. Dentro dessa linha de certa coerência, o que ele falou lá atrás não está desdito pelos comportamentos de hoje. A insatisfação do Congresso com ele é crescente, cada vez que ele solta um Twitter perde um voto ou mais. E se não passa a Reforma? É nisso que eu vejo lá para frente uma eventual perspectiva de confronto mais grave.

Se não conseguir aprovar a reforma?

As reações dele frente à contrariedade são reações violentas. Não consegue dialogar, não consegue viver com uma derrota. Foi ungido presidente sob o manto de ser um mito. Mas sua desmistificação está ocorrendo em pequenos incidentes e na hora que vier um incidente mais profundo, que comprometa a perspectiva do País a médio e longo prazo, como o mito vai enfrentar isso. Esse é meu medo.

Como o senhor vê o pacote anti-crime?



O presidente vive como se precisasse sempre ser interpretado, ou pelo ministro da Economia ou pelos militares 

É pura perfumaria porque não resolve nada. Vou dar um exemplo. O que o Código Penal e a lei de crimes hediondos propõem? Pela lei quem pratica um crime hediondo tem que ficar no regime fechado dois quintos da pena. O projeto propõe que passe para três quintos em regime fechado. O que isso resolve? Nada. Estabelece que para determinados crimes, sejam de corrupção ou violentos, o condenado cumpra pena em regime fechado. Pergunto qual é o condenado por roubo a mão armada, por exemplo, hoje em dia, que a Justiça não determine que cumpra pena em regime fechado?

E quantos aos crimes do colarinho branco?

Nos crimes de corrupção ele deixa de elencar o mais grave de todos que é o de concussão, a extorsão para retirar dinheiro, exigir de alguém que lhe dê dinheiro para fazer ou deixar de fazer algo. Esquece a concussão e estabelece que a corrupção e o peculato tenham regime fechado. É uma posição muito simplória que eu chamaria de ilusão penal. Ele acha que aumentando o prazo de regime fechado resolverá o problema da criminalidade. Errado. Dou o exemplo do feminicídio. Matar por questão de gênero passou a ser um crime qualificado, com pena elevada de 12 a 30 anos. E os feminicídios aumentaram.

Se tivesse continuado na Lava Jato estaria fazendo um serviço melhor?

Acho que sim, primeiro porque afastaria qualquer dúvida de eventual parcialidade. Ele foi para um governo que é inimigo do PT, do PSDB, e deu sentenças, a começar pelo caso do Lula, contra políticos desses partidos. E depois fiquei insatisfeito em ver o ministro sendo desautorizado na nomeação da cientista política Ilona Szabó para o Conselho Penitenciário. Foi uma humilhação. Bolsonaro não respeitou o ministro. Moro não teve liberdade para indicar a suplente de um conselho. Por quê? Porque ela critica o governo. Bolsonaro não consegue conviver com a adversidade.ISTOÉ

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