O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) vem testando saídas dentro do presidencialismo de coalização na relação com a Câmara dos Deputados e Senado.
Se o Congresso fosse um laboratório, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) seria o alquimista. Num parlamento cuja média de renovação foi de 47,3% na Câmara e de 87% no Senado neste ano, o pesselista vai na contramão do manual do presidencialismo de coalização.
Segundo especialistas ouvidos pelo O POVO, pelo menos desde a redemocratização nenhum presidente eleito, de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a Dilma Rousseff (PT), deixou de respeitar dois critérios para a montagem do seu ministério: a garantia de governabilidade, almejada por meio da partilha de cargos na máquina, e a representatividade regional, de modo a permitir capilaridade.
Até agora, eles dizem, Bolsonaro tem subvertido esses dogmas. A montagem do seu ministério seria reflexo disso - dos nomes indicados, poucos são de parlamentares ou de caciques políticos tradicionais. A maioria é aposta das bancadas. A estratégia do capitão da reserva não é gratuita: mira na fragilidade dos partidos, cujos líderes foram alvo nas últimas eleições.
"Na gestão do Bolsonaro, o partido é o menos importante. Não é um governo do PSL, é o Bolsonaro e suas bandeiras", afirma o sociólogo Emanuel Freitas, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
De acordo com o pesquisador, se nunca foi habilidoso como deputado federal, o capitão da reserva tem sido perspicaz ao estabelecer diálogo não com as cúpulas das legendas, mas com as frentes, como a ruralista e a conservadora, ambas premiadas com ministérios.
Por uma razão: "O grande diferencial do Bolsonaro é que ele aposta num governo de temáticas", avalia Freitas, para quem o objetivo do presidente eleito é eliminar as intermediações.
Assim como faz com a comunicação direta via redes sociais, anunciando nomes para o governo ou desautorizando auxiliares pelo Twitter, Bolsonaro estaria experimentando uma forma de negociar com o Congresso que dispensa o filtro das lideranças e a instância partidária.
"Como os partidos se enfraqueceram nas eleições, Bolsonaro tira proveito disso", continua Freitas. "É como se ele estivesse ainda em campanha, acima dos partidos", reconfigurando a relação com a Câmara. "Não é o velho toma lá, dá cá", acrescenta Uribam Xavier, cientista social. "Tampouco é um governo sem interesses políticos. Eles estão lá, mas com outra lógica e outra linguagem."
Para Xavier, toda a cultura política brasileira de 1988 até hoje estruturou-se no binômio do presidencialismo de coalização (governabilidade e capilaridade). "O jeito Bolsonaro é totalmente diferente, mas tem também toma lá, dá cá", responde o especialista.
Ele cita então a indicação da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS). "Foi um nome do agronegócio", sublinha. "A diferença agora é que, em vez de negociar com 30 partidos (total de legendas com representação na Câmara, o maior desde 1989), que é complicado e inviabiliza qualquer presidente, o Bolsonaro está negociando com as bancadas."
Menos numerosas, mas transversais, alcançando múltiplos partidos, as bancadas oferecem um atrativo: organizam-se em torno de tópicos que são cruciais para o sucessor de Michel Temer (MDB), como a bancada em torno do projeto "Escola sem Partido".
"Por enquanto, é uma ideia eficiente. A frente é mais ampla, e de fato descomplica o trabalho do presidente ante a dificuldade que é contemplar os interesses de cada legenda.
A preço de hoje, é uma decisão que parece eficaz", conclui Freitas.
Qual seria, então, o ônus dessa nova fórmula que Bolsonaro vem testando no Congresso? Xavier não tem dúvida de que os dois grandes testes desse modelo será a aprovação das reformas da Previdência e tributária.
"São dois projetos polêmicos, que exigem um quórum qualificado (dois terços da Casa em cada votação). Se as bancadas não funcionarem e não derem maioria ao presidente, o governo vai começar com um fracasso muito grande", adverte.
BOLSONARO E A LINHA DIRETA
AS BANCADAS NA CÂMARA
Na Câmara, excessiva fragmentação partidária tem empurrado o presidente eleito para negociações com as bancadas temáticas. Entre as principais, estão a ruralista e a evangélica, cruciais na vitória de Bolsonaro
SENADO RESISTENTE
Adversários de Bolsonaro
Casa revisora, o Senado pode se mostrar mais resistente às pautas do presidente eleito. Lá estão dois dos principais adversários de Bolsonaro: o emedebista Renan Calheiros e o pedetista Cid Gomes.OPOVO
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