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sábado, 30 de setembro de 2017

A FORÇA DO TRÁFICO;RIO,UMA CIDADE ACUADA

Por ipuemfoco   Postado  sábado, setembro 30, 2017   Sem Comentários

A rotina da sociedade carioca mudou completamente nas últimas semanas. Tanques de guerra e homens vestidos para a batalha se impõem ostensivamente, alterando as
paisagens da segunda maior cidade brasileira e cartão postal do País. Soldados com máscaras de caveira anunciam o horror do confronto com traficantes. 

Marcas de bala em muros de residências antes seguras são um termômetro da frequência dos tiroteios. Estabelecimentos fechados interrompem o fluxo do comércio e até a tradicional boemia associada ao estilo de vida dos cariocas tem hora para acabar, com bares e restaurantes tradicionais de bairros como a Lapa fechados ao escurecer para segurança da clientela.

As consequências desse poderio se mostram das formas mais perversas no dia a dia. O crime passou a controlar a circulação de carros e ônibus nas comunidades. Na quarta-feira 27, embora sete das nove escolas da Rocinha tivessem voltado funcionar, poucos alunos foram às aulas. Uma massagista foi demitida do emprego em uma clínica de Ipanema por ter faltado. 

“O patrão não está nem aí se eu tinha com quem deixar minha filha pequena ou não”, disse, chorando.Crianças impedidas de ir às aulas veem seu futuro comprometido. Refém do crime, do medo e da inércia do poder público, a cidade agoniza em um triste retrato da supremacia da violência. Das 1.025 comunidades da capital, 843 estão sob domínio de traficantes ou de milicianos. 
Só nos três primeiros meses deste ano, houve 1.867 vítimas de homicídios, roubos, agressões e operações policiais. Nas últimas semanas, com a disputa pelo controle do tráfico na Rocinha, a tensão extrapolou os limites do morro e atingiu todas as camadas da sociedade. Sinais de que se trata de uma guerra se alastram pela cidade que hoje, antes de fazer jus ao título de maravilhosa, se apresenta ao mundo como devastada.

Em meio às intensas trocas de tiros, instituições de ensino próximas às comunidades vêm tomando precauções sem esperar pelas autoridades. A Escola Alemã Corcovado, em Botafogo, no mesmo bairro em que está localizado o Morro Dona Marta, primeiro a receber uma UPP, providenciou uma passagem subterrânea para os alunos caminharem do estacionamento às salas de aulas. 

Trata-se de uma garagem no subsolo usada para a saída de alunos e funcionários em situações adversas. A escola já chegou a suspender o recreio dos alunos em função dos tiroteios. Medidas como essas não são exageradas quando se toma por base o caso de duas crianças e um bebê atingidos por balas perdidas em julho desse ano. Mesmo fora das regiões de confronto, muitos cariocas deixam de sair à noite por medo, e a vida noturna na cidade sofre um violento baque. 

O restaurante Frontera, no Jardim Botânico, teve redução de 50% no movimento. Na sexta-feira 22, o Braseiro, “point” do Baixo Gávea, no bairro homônimo, vendeu dois barris de chope ao invés dos habituais sete. Outros pontos que outrora ferviam na noite carioca, como a Lapa, no Centro, e a Rua Conde de Bernadotte, no Leblon, agora sobrevivem apenas. 

Na Lapa, o centenário restaurante Nova Capela passou a fechar as portas mais cedo devido à violência da área. Ninguém do estabelecimento quis dar entrevista. “Com o movimento em baixa e sem segurança, quem pode aguentar?”, questiona o garçom de um bar vizinho, na região mais boêmia do Rio.

Muitos coletivos não conseguiram transitar nas ruas tomadas pelo Exército, impedindo que moradores pudessem sair para trabalhar. Um motorista de Uber que não quis se identificar disse à ISTOÉ que vigilantes armados identificam a luz do celular acoplado ao painel do carro e o interceptam. “Mesmo com filtro nos vidros, eles mandam o carro parar exigindo pagamento. Estão sempre com uma arma na cintura”, afirma ele, que já teve de pagar R$ 50 para buscar uma passageira na zona norte. Segundo registros em delegacias, cinco motoristas são vítimas de extorsão por dia.

DESVIANDO DOS TIROS

Algumas iniciativas têm ajudado a população a se sentir menos insegurança. O professor Antonio Terzi, 41 anos, não costuma sair de casa sem consultar o aplicativo Onde Tem Tiroteio (OTT) para saber que caminho fará de sua casa até a escola dos filhos. Quando faz o trajeto, dependendo do dia, as crianças não usam o cinto de segurança. Isso porque ele teme ser assaltado e não ter tempo de tirar os filhos do veículo. 

“Não é fácil conviver com tanto medo e ameaças à vida. Gostaria de circular como uma pessoa normal, mas já incorporei o hábito da vigilância permanente”, afirma. A plataforma utilizada pelo professor foi criada pelo analista de sistemas Dennis Coli. 

Hoje, o aplicativo tem 600 mil usuários e um alcance entre 3 e 4,5 milhões de pessoas. Além desse, a ONG Anistia Internacional também criou, em julho do ano passado, o aplicativo Fogo Cruzado, que mapeia as regiões com maior número de tiroteios. Em um ano, a plataforma recebeu 9.174 notificações.

A FALÊNCIA DAS UPPs
Não à toa, muitos cariocas têm optado por deixar o Rio. O médico Adauto Magalhães, 42 anos, foi atingido por cinco tiros em assaltos e arrastões na Linha Vermelha, uma das vias mais afetadas pelo crime. Hoje vive em Teresópolis, na Serra Fluminense. 

“O Rio se transformou em um inferno, nossas casas de campo se tornaram residências fixas”, afirma. “Ainda tenho de ir à cidade para trabalhar, mas estou me programando para sair definitivamente da capital. Vivemos com medo de morrer.” 

Nos morros sitiados, onde famílias inteiras são dizimadas em confrontos, moradores são impedidos de sair para trabalhar, afetando diversos setores da economia que dependem da mão de obra das comunidades. 

Os traficantes, parcialmente asfixiados pela operação militar que colocou quase mil homens do exército para garantir a segurança da população, migram para outros crimes como forma de manter seus lucros ilícitos e exercem forte dominação econômica sobre os indefesos vizinhos. Todos os produtos que sobem o morro pagam “pedágio” para os criminosos e o preço chega a triplicar.

Assolado por uma profunda desigualdade social, o Rio de Janeiro vive há décadas sob violência generalizada. As mazelas sociais, a corrupção entre governantes e as condições geográficas deram plenas condições para que o tráfico e as milícias se fortalecessem em regiões abandonadas pelo Estado. 

Desde a década de 1970, já sem o status de capital federal, a cidade se tornou ponto de partida na rota de distribuição de cocaína dos países andinos para a Europa. Com o apoio de “bicheiros” (os comandantes do clandestino jogo do bicho), traficantes passaram a abastecer a população com drogas ilícitas. 

Sem resistência policial à altura de sua ousadia, o tráfico se expandiu em larga escala nas favelas, que passaram a ser controladas por facções de criminosos e ficaram à margem do Estado. “Há uma falta de legitimidade de poder político e uma grave crise econômica. As UPPs, que foram vendidas como as joias da coroa, colapsaram. 

Todos esses fatores interferem na dinâmica da violência”, diz Julita Lembruger, socióloga da Universidade Candido Mendes e ex-ouvidora de polícia. As UPPs, sigla para Unidade de Polícia Pacificadora, foram criadas em 2008, a partir de experiências já existentes de policiamento comunitário. 

Nos primeiros anos, o modelo teve impacto positivo na redução dos índices de criminalidade e pareceu uma panaceia para o caos da segurança no Rio. Com o tempo, as UPPs faliram — por corrupção, falta de recursos ou mero despreparo. Das dez comunidades onde houve mais crimes violentos no Rio em 2016, seis contam com UPPs. 

Uma das razões para a ineficácia do programa é a complexidade das favelas e a ausência de outros serviços do Estado. Afinal, policiais não podem dar aulas, fazer partos e resolver os problemas da comunidade.



“Não aprendemos nada com os erros do passado”, afirma Cecília Oliveria, especialista em segurança pública e pesquisadora do livro “O Dono do Morro”, que conta a história de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, líder do tráfico na Rocinha. 

No dia 17 de agosto, Nem deu ordens de dentro do presídio federal de Rondônia, onde está preso, para que Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que lhe sucedeu no posto de chefe do tráfico, deixasse a favela. Rogério resistiu e atacou homens de confiança de Nem, que pertence à facção Amigos dos Amigos (ADA). 

Começava uma intensa troca de tiros para expulsar Rogério, que obrigou o governo do estado a solicitar ajuda das Forças Armadas. Na sexta-feira 22, 950 homens das Forças Armadas ocuparam a Rocinha. Uma semana depois, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, determinou que os militares deixassem a comunidade, por entender que a situação estaria estabilizada. 

Durante a ocupação, 24 pessoas foram presas e 25 fuzis apreendidos. “O que agrava a violência no Rio é a movimentação entre os comandos, a sobreposição de facções e as alianças”, diz Silvia Ramos, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.

Pelo menos três facções controlam diferentes territórios: o Comando Vermelho, o Terceiro Comando Puro e os Amigos dos Amigos. Em algumas regiões, esses grupos se aliam ao Primeiro Comando da Capital, de São Paulo, e em outras convivem com as milícias. 

O poder de fogo desses grupos cresceu nos últimos anos. De acordo com um estudo do Instituto Sou da Paz, munições de calibre restrito, das quais fazem parte os fuzis, representam hoje 70% do total de apreensões de armas no Estado do Rio. Em 2014, eram 59%. “Os fuzis se tornaram uma espécie de símbolo de poder e ofensividade”, diz Silvia.

EXÉRCITO A atuação das Forças Armadas na Rocinha teve duração de oito dias. Segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann, a favela está estabilizada (Crédito:Bruno Itan / Parceiro / Agência O Globo)

FORÇAS ARMADAS

Ao longo da última década, o governo do estado do Rio recorreu 12 vezes a intervenções das Forças Armadas. “A situação mostra uma crise periódica e permanente. Faz-se uso de um modelo militarizado que não resolve o problema”, diz Ignácio Cano, sociólogo e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. 

“A presença dos militares tem um custo muito alto e não representa uma mudança de cenário no longo prazo.” Entre 2014 e 2015, a presença de soldados no Complexo da Maré por 15 meses custou aos cofres públicos R$ 600 milhões e a favela até hoje sofre com os mesmos problemas. Por trás da falência no combate ao crime está também a falta de investimento. 

Contas do governo estadual revelaram que gastos com “informação e inteligência”, fundamentais para o combate ao crime, foram reduzidos a zero no ano passado, quando a despesa com a segurança pública consumiu R$ 9,1 bilhões. 

Do total, R$ 7,68 bilhões foram destinados à administração geral, ou seja, pagamento de salários. “Policiais acreditam que o trabalho se restringe à lógica de confronto e dão pouca importância à inteligência”, diz Silvia

Para ela, com a entrada massiva de fuzis nas favelas, houve uma “bopetização” da polícia, neologismo que se refere à atuação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), famoso pelos métodos violentos. Os policiais que usam máscaras de caveira ao subir o morro são prova.

A predominância de fuzis no arsenal dos traficantes de drogas revela o quanto o comércio de armas avançou no Rio. Em junho desse ano, policiais apreenderam 60 fuzis de guerra no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão. “Isso mostra que as armas estão entrando pela porta da frente do País”, afirma Bruno Langeani, gerente de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz. 

“O aumento de munições apreendidas de calibre restrito, armas de maior poder de fogo, não tem comparação com nenhum outro estado brasileiro.” Segundo ele, a grande parte dos fuzis é vendida legalmente dos Estados Unidos para países como Bolívia e Paraguai e contrabandeadas para o Brasil. 

Um dado revelado pelo relatório é que 42% das munições apreendidas em 2014 são de uma fabricante nacional. “Isso expõe as fragilidades no controle das munições brasileiras”, diz. Com uma média de 430 munições apreendidas por dia, é possível imaginar a disponibilidade bélica dos grupos de criminosos. 

Mais que uma reserva de balas para sustentar intensos tiroteios, eles dão demonstrações de seu poder de fogo disparando rajadas de tiros. Estima-se que cada bala de fuzil chegue a custar R$ 50. Para reverter esse cenário seria necessário aumentar a fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, evitar que armas e munições fiquem por muito tempo nas delegacias e monitorar seus deslocamentos para acabar com canais de desvio.

Gastos com “informação e inteligência” foram reduzidos a zero no ano passado, quando a despesa com a segurança pública no rio somou R$ 9,1 bilhões

Na quinta-feira 28, mesmo dia em que o ministro da Defesa Raul Jungmann anunciou que as tropas sairiam da Rocinha, as escolas reabriram e os alunos voltaram às aulas. As Clínicas de Família também funcionaram. Foram feitos reparos nos postes e limpeza de lixo nas ruas. O prefeito Marcelo Crivella afirmou que pretende investir R$ 15 milhões em serviços, incluindo a reforma de casas que estão cravadas de balas. 

É um sinal de que a cidade, ainda que devastada, poderá retomar sua rotina, ainda que com as marcas da violência escancaradas. Mas enquanto as autoridades forem negligentes e adotarem táticas ultrapassadas, o Rio continuará perdendo todas as batalhas para o crime.

O RIO SEM COMANDO
Há um vácuo no poder que agrava a violência em todo o Rio de Janeiro. O diagnóstico da socióloga do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lembruger, explica-se pela ausência de declarações e ações efetivas do governador Luiz Fernando Pezão e do prefeito Marcelo Crivella diante do caos que dominou a favela da Rocinha nas últimas semanas. 

No dia 22, no estopim da crise, enquanto moradores viviam momentos de pânicos com o confronto entre traficantes e homens das Forças Federais, o prefeito demorou quinze horas para se manifestar por meio de nota. 

Limitou-se a pedir que as pessoas evitassem áreas onde estivessem ocorrendo ações militares. Na quarta-feira 27, dez dias após o início dos conflitos, aos gritos de “sumido”, o prefeito visitou a Rocinha. 

O governador Pezão também se pronunciou apenas para dizer que sabia da invasão de traficantes, mas por cautela, desautorizou qualquer ação da polícia. “São afirmações inócuas, sem projetos, sem ideias. As favelas vivem um verdadeiro apagão”, diz Silvia Ramos, cientista social.

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