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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O AVANÇO ASSUSTADOR DO ZIKA VÍRUS

Por ipuemfoco   Postado  terça-feira, dezembro 08, 2015   Sem Comentários

Em meados de agosto, o obstetra Orlando Gomes Neto notou anormalidades nas ultrassonografias de algumas pacientes grávidas. 
A cabeça dos fetos era menor que o esperado. Gomes Neto coordena um dos mais respeitados laboratórios de medicina fetal no Recife. 

Outros colegas começaram a identificar casos parecidos, que não se encaixavam no diagnóstico de doenças conhecidas. Na investigação com as mães, os médicos descobriram que 70% delas haviam tido, no primeiro trimestre da gravidez, febre, dores e manchas vermelhas no corpo. 

Por dois meses, acompanharam essas pacientes e descobriram novos casos, informados à Secretaria de Saúde do Estado. Pela primeira vez na carreira, Gomes Neto não tinha respostas nem para orientar as pacientes nem para acalmar sua própria mulher, hoje grávida de sete meses. 

“Como médico, tinha de pensar racionalmente para cuidar melhor das gestantes. Como pai, estava extremamente apreensivo”, diz. Em novembro, ele recebeu uma ligação com o relato que espalharia por famílias do país inteiro a apreensão que ele já sentia.

A obstetra Adriana Melo, em Campina Grande, Paraíba, contou a ele que havia identificado o mesmo problema em duas gestantes entre a 22ª e 23ª semanas de gravidez, em outubro. As imagens dos cérebros das crianças mostravam manchas brancas, uma resposta do organismo diante de uma infecção por vírus. 

Naquele mês, Adriana entrou em contato com a Secretaria de Saúde da Paraíba. Disse desconfiar que as gestantes tinham sido infectadas pelo vírus zika e que era urgente fazer um exame invasivo, chamado cariótipo, em que se coleta material de dentro da placenta. A médica tentou tratar do assunto com um colega da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sem sucesso. 

“Não entendia por que não respondiam a meus e-mails e minhas ligações. Ou não acreditaram em mim, ou ninguém tinha pensado em fazer o exame invasivo para confirmar, ou ninguém queria falar sobre o que estava acontecendo”, diz.

Adriana não sabia que o médico Kleber Luz, da UFRN, estava em contato com o Ministério da Saúde pelo mesmo motivo, amicrocefalia. Trata-se de uma alteração no cérebro que pode ser provocada por uma série de vírus e que em 90% dos casos provoca retardo mental. No ano passado, foram registrados no Brasil 147 casos. 

Neste ano, já há 1.248 casos suspeitos em 311 municípios de 14 Estados, de acordo o Ministério da Saúde. Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte lideram o ranking. Casos em São Paulo estão sendo investigados. Em 11 de novembro, Adriana recebeu os resultados dos exames que solicitara.

Havia vírus zika no líquido amniótico das gestantes examinadas. Ao Ministério da Saúde, ela contou o que nunca tinha visto em 17 anos de carreira em medicina fetal. Em 28 de novembro, o Ministério anunciou a relação entre microcefalia e zika. “Não podíamos divulgar uma informação com base em indícios”, diz Cláudio Maierovitch, diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Identificado o inimigo, o que conhecemos dele? “O que a gente sabe sobre o zika é o nome, de onde veio e que está aqui.” A descrição feita pelo biomédico Rafael França é perturbadora. França é pós-doutorando em imunidade e infecções virais pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e trabalha na Fiocruz de Pernambuco, uma das cinco instituições no país que monitoram o zika. Trata-se de um vírus descoberto em 1947, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite a dengue. Por serem vírus da mesma família, algumas associações entre eles são possíveis. Como a dengue, o zika pode ser assintomático, causar problemas leves ou graves. Assim como quem já teve dengue tem mais chances de sofrer mais numa segunda infecção, o mesmo acontece com quem teve dengue e contrai o vírus zika. “As células de defesa do organismo não entendem que o zika é um vírus diferente e atacam com menos força”, diz França. Duas mortes, de um adulto e um bebê, foram confirmadas. Pessoas com imunidade em estado frágil, como as gestantes, também têm mais chances de desenvolver problemas graves. Os testes disponíveis hoje só identificam o vírus se ele estiver circulando no organismo. Na urina, pode ser detectado em até dez dias. No sangue, de cinco a oito. França e seus colegas haviam sido procurados, no início do ano, pelo médico Claudio Lira. Ele tinha pacientes com sintomas parecidos com os da dengue – mas sofriam de algum outro mal, ainda não identificado naquele momento.

Os pesquisadores da Fiocruz fizeram, então, um projeto, em parceria com o centro de virologia da Universidade de Glasgow, na Escócia, para investigar o vírus responsável. Era o zika. No auge da epidemia de microcefalia, em novembro, o projeto recebeu sinal verde, mas o dinheiro ainda não foi liberado. Desde meados de novembro o biomédico França, participante do projeto, tenta enviar aos colegas escoceses amostras coletadas. Diferentemente dos países desenvolvidos, porém, no Brasil o próprio cientista tem de cuidar da parte não científica de seu trabalho – compra de material, envio de documentos, contabilidade. E, no Brasil, esses processos são especialmente burocráticos. “Isso atrasa muito o trabalho do pesquisador”, afirma.  

O único grande surto do zika no mundo foi em 2013, na Polinésia Francesa. Pouco se aprendeu com o episódio. Na semana passada, a Polinésia Francesa revelou que, após o ocorrido, 17 crianças nasceram com malformação no sistema nervoso central. Por que tão poucas? Uma das hipóteses é que se trata de um país onde o aborto é liberado. Desde então, não houve estudos a respeito. No Brasil, os médicos que cuidam de pacientes com zika são também pesquisadores. No dia a dia, tentam descobrir mais sobre a ameaça.
 
zika virus (Foto: DIEGO NIGRO/JC IMAGEM/ESTADÃO CONTEÚDO)










Uma relação observada é a predileção do vírus por células jovens do sistema nervoso central. O ataque provoca alterações que podem interferir no funcionamento do cérebro e causar a síndrome de Guillain-Barré. 
Ela provoca uma inflamação que atrapalha a condução dos estímulos nervosos até o músculo ou no sentido contrário. Isso causa fraqueza muscular, primeiro nas pernas, depois em outras partes do corpo. A síndrome pode provocar alterações de sensibilidade, dormência e coceira. O tratamento leva meses. A obstetra Adriana, de Campina Grande, segue pesquisando o desenvolvimento dos bebês, inclusive os que nasceram saudáveis. 
Encontrou calcificações tardias, no terceiro trimestre da gestação, e pequenas calcificações nos cérebros de algumas crianças cujas mães não tiveram sintomas. Os exames para saber se tiveram zika ainda não ficaram prontos. “Não posso afirmar se essa criança vai ter um desenvolvimento normal, porque não sabemos se as calcificações podem irritar o sistema nervoso no futuro”, diz. 
Ela estuda também um bebê que nasceu em condições normais, mas a mãe estava com zika circulando pelo organismo no parto. O bebê tem calcificações no cérebro e convulsões diárias desde o nascimento.
No Brasil, o surto deve ter começado no início de 2015. Provavelmente, os pacientes receberam diagnóstico de dengue. “Parece que o serviço de saúde não detectou a tempo. Ninguém enxergou a nova doença”, diz Marcos Boulos, coordenador de Controle de Doenças da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. 
Se a detecção tivesse acontecido, os pacientes infectados poderiam ter sido isolados, e o alcance da doença seria menor. “Já é a maior epidemia do mundo por zika”, afirma Boulos. Por isso, na semana passada, houve uma reunião de emergência em Brasília, conforme apurado por ÉPOCA.

Integrantes do Ministério da Saúde, dos cinco centros especializados no Brasil e da Organização Pan-Americana da Saúde discutiram ações de curto, médio e longo prazo para combater o surto de zika. Ficou decidido que a virologista Cláudia dos Santos, vice-diretora de pesquisa da Fiocruz Paraná, isolaria o vírus para descobrir uma molécula ou partícula liberada por quem já teve o zika. 
A partir desse antígeno-padrão, os Estados podem testar qualquer pessoa para zika. Esse tipo de teste dá a resposta mais rápida, pode ser feito em grande escala e é mais barato. O teste deverá estar disponível em até 15 dias e será distribuído para os laboratórios de referência do país. “Estamos com previsão de contratação de técnicos para fazer os testes e kits para aplicar”, diz Boulos.

Como adiantado por ÉPOCA com exclusividade, o ministério mudou os padrões para identificar casos de microcefalia provocados pelo zika. Até novembro, o limite mínimo da circunferência da cabeça usado para fazer triagem de crianças suspeitas era 33 centímetros. Agora, são 32 centímetros. 
A alteração reduz em 3% a quantidade de casos suspeitos. Um protocolo de atendimento às gestantes, feito em parceria com o ministério, foi publicado em Pernambuco. O documento servirá de base para um protocolo nacional.

A única maneira de combater o zika, até agora, é combater o mosquito. Há décadas, os governos e a sociedade falham nessa missão. Esse enfrentamento nunca foi levado a sério no Brasil. A ameaça de proporções inéditas que o país enfrenta hoje é consequência de três décadas de descaso. Combater o Aedes aegypti é responsabilidade de cada cidadão e também das prefeituras. 
Às secretarias estaduais de saúde e ao governo federal cabe definir as estratégias e coordenar os esforços. Mas, neste ano, os casos de dengue na Paraíba cresceram 266% em relação a 2014. O combate ao mosquito é fragmentado e insuficiente – um conto de verão, sempre esquecido já no outono.

O aumento da circulação do zika em todas as regiões aponta um cenário catastrófico e exige mais empenho no combate ao vetor. Enquanto os médicos de vários Estados denunciam a falta de estrutura dos municípios para lutar contra o mosquito, os governos anunciaram medidas emergenciais na semana passada. 
O Estado de Pernambuco, que cortou 40% dos agentes de combate à dengue, deveria ganhar, a partir de sexta-feira passada, o reforço do Exército. Cerca de 200 soldados foram convocados para apoiar os agentes no controle ao vetor na região metropolitana do Recife e nos 19 municípios com maior incidência de dengue e chikungunya. Eles visitarão residências para orientar a população e aplicar larvicidas. 
“Uma grande mobilização popular precisa ser feita, porque 90% dos focos dos mosquitos estão em residências”, disse o secretário estadual de Saúde, José Iran Costa. O município de São Paulo optou por medidas drásticas. Desde a quarta-feira passada, moradores da capital que se recusarem a receber agentes sanitários em busca de criadouros do mosquitos serão notificados e terão até 48 horas para permitir a entrada dos fiscais. 
A regra vale também para domicílios desabitados e fechados. No caso de imóveis ocupados, mas fechados, os agentes farão três tentativas em dias e horários diferentes. Caso não consigam verificar o imóvel, o procedimento será igual. Nos dois casos, será feito um relatório para pedir autorização judicial para entrar no imóvel.

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