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terça-feira, 16 de abril de 2013

O AFROREGGAE CAPTOU R$ 20 MILHÕES EM 2012

Por .   Postado  terça-feira, abril 16, 2013   Sem Comentários

Aos 44 anos, José Junior não nega o sotaque de carioca marrento ou as origens na periferia. Munido da lábia com que convence traficantes a trocar o crime pelo mercado de trabalho, ele bate à porta de multinacionais e consegue volumosos patrocínios. 

Em 2012, o Afroreggae captou 20 milhões para projetos cujos padrinhos são Caetano Veloso, Regina Cazé e Luciano Huck. 

Filho de um taxista e uma auxiliar de enfermagem, ele se consolidou como guerrilheiro social na ONG de 400 funcionários e prêmios internacionais. Junior media conflitos nos morros, trabalha com presidiários, insere jovens da comunidade em atividades culturais, dialoga com autoridades, convive com celebridades. 

Em seu celular, chegam emails tão distintos quanto um convite da promoter Alinha Cavalcanti, uma provocação do governador Sérgio Cabral ou um pedido de emprego de um detento de Bangu. Tamanha influência lhe rende constantes ameaças de morte - um tiroteio de todos os lados – mas ele jura não temer a morte. 

Na quinta-feira passada, Junior inaugurou o escritório em São Paulo, o primeiro fora da capital fluminense, com show do maestro João Carlos Martins.

ISTOÉ - Como foi a sua infância no subúrbio do Rio de Janeiro? 

José Junior - Nasci em Ramos, no Bonsucesso. Saí de lá aos dez anos porque meu pai bebia e batia na minha mãe. Ela separou e mudamos para o Centro, onde tinha muita violência, jogatina, prostituição, tráfico. Quase todos os meus amigos dessa época foram assassinados. 

Várias mães eram prostitutas, faziam programa na frente da própria casa. Eu lutava boxe, brigava na rua, perdi todos os meus dentes. Em 1986, passei nas provas para ser paraquedista do exército. Dois policiais militares cismaram que eu era marginal, amassaram e jogaram meu certificado de alistamento carimbado. Saí na mão com eles. 

Quando foram atirar, prostitutas me defenderam e fugi. Fui uma máquina de bater porque era um frustrado, nenhuma mulher queria papo comigo. Como me vestia mal e não tinha estudo, meu status era brigar bem. 

ISTOÉ - Por que parou de estudar?

José Junior - Estudei até o ginásio, mas era um péssimo aluno. Meu pai disse que pagaria meus estudos e eu não quis. Sou um mau exemplo nesse aspecto. Fracassei em tudo o que fiz na minha vida, só uma coisa deu certo: o AfroReggae. 

Mas tenho uma história antes dele. Fui entregador de jornal, taxista, vendi sanduíche natural na praia, fui animador de festa como Batman. Mas sou incentivo que as pessoas estudem. 

ISTOÉ - Por que não enveredou para as drogas ou para o crime como muitos amigos? 

José Junior - Como meu pai bebia e batia na minha mãe, ela fumava muito. Outro grande ídolo era meu cunhado, viciado em cocaína injetada na veia. Com 13 anos, eu buscava para ele na favela e comecei a entender o mundo do tráfico. Passei a ter ódio de álcool, tabaco, droga. 

Nunca experimentei um copo de cerveja, licor, champagne, vinho... Nunca cheirei lança-perfume, cocaína ou fumei maconha. Sempre tive mediunidade e, apesar da curiosidade, algo muito forte não me deixava experimentar. Isso também me afastou do crime, além do amor pela minha mãe, que já tinha sofrido demais.

ISTOÉ - Você é a favor da internação compulsória e da descriminalização das drogas?

José Junior - Da internação compulsória, sim. Vamos deixar os caras lá, se drogando e se matando? Eles são zumbis, não têm condições de decidir nada. Você acha que uma mulher quer se prostituir para manter o vício? Sou contra a descriminalização. Não conheço nenhum país que legalizou todas as drogas e deu certo - só maconha, que não mata ninguém. 

Se legalizar, terão restrições como proibir a venda para menores de 18 anos. Você acha que não vai existir um mercado paralelo para driblar essas coisas? 

ISTOÉ – Pelas suas oito tatuagens, referências a diversas religiões, dá para ver que você tem um lado espiritual forte.

José Junior - Frequento de culto de Testemunho de Jeová ao Hinduísmo. Tenho um astrólogo que lê meu mapa astral de dois em dois meses. Sempre busquei, de alguma maneira, espantar meus demônios. Me preparei para morrer aos 18 anos. Hoje tenho 44. Eu estou no lucro há 26 anos. Pessoas que fazem o que eu faço morrem antes de ficar velhas. 

Está cheio de plano para me matar. Carrego um carma de outras vidas por não ter encarado algumas coisas. Evito falar disso porque acham que é papo de maconheiro. Sinto que tenho uma proteção forte. Tentei me matar algumas vezes de moto. Caí 14 vezes, algumas de cara no asfalto e sem capacete, mas nunca me aconteceu nada. 

ISTOÉ - Como surgiu o AfroReggae?

José Junior – Organizava bailes funk e reggae para ganhar uma merreca. A comunidade sentia falta de um veículo de comunicação que falasse da cultura negra, então criei o jornal AfroReggae. Mas eu era o editor e mal sabia escrever. Meses depois, em 1993, aconteceu a chacina de Vigário Geral. Entramos na favela mais temida e violenta, ainda de forma mambembe. 

O jornal já tinha tiragem de dez mil, bancada com a grana das festas que promovia. Rolava uma militância invisível, gente que distribuía o jornal para outros Estados numa época em que não havia internet. Depois comecei com atividades de música para os garotos da comunidade. Nada foi planejado. Aos poucos, convencia os caras a sair do crime e hoje são eles que nos procuram.

ISTOÉ - De que forma a chacina em Vigário Geral mudou a sua vida? 

José Junior - Quando tenho vontade de desistir de tudo, passo no local onde meus amigos morreram. A tragédia me transformou de pedra bruta em espada. Vi muita gente morrer. A morte sempre andou do meu lado, quase como uma tatuagem no meu corpo. Não tenho medo dela. Lembro sempre do Salmo 91: “Mil cairão ao teu lado, dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido”. 

Planos para me matar são públicos, mas sou um defunto caro. O José Roberto Marinho me liga pessoalmente, tenho uma parceria muito boa com a Rede Globo. Vai dar uma treta gigantesca se acontecer algo comigo. Em 2010, subi o Complexo do Alemão para negociar a saída dos traficantes e evitar um banho de sangue com a polícia durante a pacificação. 

Se eu não subisse, perderia a moral e não mediaria nem briga em jardim de infância. Eu entrei nessa guerra conscientemente, escolhi o que eu faço e sei de todos os riscos. Se eu morrer, faz parte. 

ISTOÉ - Com quem aprendeu esse poder de persuasão? 

José Junior – Isso não se aprende. Faço o que faço por minha conta e risco. Na hora que a chapa esquenta, nunca vi ninguém subir o morro para mediar com a gente. Nem político nem protestante de direitos humanos. Eles ficam lá dando entrevista, dizendo como é que se faz. Só sobem os kamikazes do Afroreggae. 

À nossa frente estão os bandidos; atrás, a polícia. Antes de sair de casa, olho no espelho e me pergunto “por que eu vou?”. Não preciso provar mais nada para ninguém, sou premiado internacionalmente, conquistei a minha credibilidade, tem gente mais nova do que eu que poderia dar conta disso. Eu vou porque eu gosto e preciso. 

Só não posso olhar para os meus filhos porque perco a vontade de ir. Hoje sou uma espécie de SWAT, só vou mediar na última hora: a minha presença tem um marketing enorme para o bandido, ele se sente prestigiado. Mas a minha equipe já preparou tudo antes. 

ISTOÉ - O que falta para acabar com o que você chama de “apartheid social”?

José Junior - Meu foco é o povo excluído da favela. Odeio quando as pessoas dizem população carente. Os caras mais carentes que eu conheço moram na Viera Souto, de frente para a praia de Ipanema. O conceito de gueto se inverteu. Hoje quem está no gueto é quem tem dinheiro e vive blindado, eletrificado, murado. 

Imagina a vida que o dono do Banco Safra deve ter, andando de helicóptero por medo de ser sequestrado? Eu não queria essa vida. 

O poder tem que ser mais democratizado. Faltam mais projetos como o que estou fazendo em parceria com a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), vamos aproximá-la das periferias.

ISTOÉ - Como você pretende fazer isso com o novo escritório em São Paulo?

José Junior - Ajudo grandes empresas a montar negócios dentro da favela, como agências de banco. Mas aqui a FIESP quer o contrário: quer que os empreendedores da periferia entrem no prédio da Paulista. Eles querem fazer com que o dinheiro possa circular na favela também. 

Dá para imaginar que uma das maiores instituições financeiras do país quer trabalhar com preto, favelado e ex-presidiário? Isso é uma quebra de paradigma! Botei um garoto do Capão Redondo para presidir o comitê de jovens empreendedores da FIESP. 

Isso diminui a coisa da cidade partida que é muito mais evidente em São Paulo, onde preconceito é maior. No Rio, até por uma questão geográfica, a periferia está integrada e frequenta a mesma praia. Tem favela em Ipanema ou na Barra. 

ISTOÉ - O Afroreggae completa 20 anos e só agora sai do Rio de Janeiro. Por que?

José Junior - Já fiz várias coisas fora do Rio, mas será a primeira vez que monto um escritório do Afroreggae porque eu respeito as ONGs locais. Com a nossa visibilidade, roubaríamos patrocínio delas. A ideia em São Paulo é ser coadjuvante, dar consultoria e potencializar os núcleos existentes. 

Por exemplo, fizemos uma parceria com o Catraca Livre (guia online com atividades culturais gratuitas) para criar o “Cultura de Ponta”. Será voltado à periferia, com eventos em CEUs etc. Com o Conselho Nacional de Justiça, traremos o projeto Empregabilidade para colocar egressos do sistema penal no mercado de trabalho. 

Já tivemos resultados incríveis, como o caso do ex-traficante Lulinha, que trabalhou em um estacionamento e hoje está no Comitê Olímpico Brasileiro. O Luciano Huck será padrinho do projeto paulista. Também quero implantar uma fábrica de óculos de sol em presídios para tirar os detentos do ócio e dar dignidade. 

ISTOÉ - Como é transitar entre universos tão distintos? 

José Junior - Não penso nisso, é natural para mim. Eu me relaciono com empresários, bandidos, políticos, milícia, famosos. Isso me fez rever preconceitos. Achava o Luciano Huck muito playboy - hoje ele é meu parceirão. Recebo email do governador Sérgio Cabral, do Paulo Skaf, Aécio Neves, do secretário de segurança... e de bandido amigo do Elias Maluco pedindo emprego porque vai receber condicional. 

As pessoas me respeitam e não me pedem informações do outro lado, não sou X9 (cagueta). Eu me relaciono sem intermediários com prefeito ou CEO de multinacional. E me preocupo em não ficar aburguesado por ser amigo dessa gente ou viajar a convite de primeira classe. 

ISTOÉ - O deputado Marco Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos a despeito de suas declarações racistas e homofóbicas. O que acha disso?

José Junior - Demonstra a falência total da política brasileira, um escândalo do tamanho do mensalão. Não dá para entender essas articulações políticas que fizeram esse cargo cair no colo dele. O povo evangélico é do bem, conheço pastores que fazem um trabalho incrível. 

Mas alguns transformaram a igreja em um negócio. Sou amigo do deputado Jean Wyllys, o parlamentar com as maiores condições de discutir direitos humanos – ele está me ajudando a tirar as pessoas do narcotráfico. Respeito tanto os homossexuais que os três cabeças do Afroreggae são gays. Agora, além de ex-presidiários, tenho arrumado emprego para travesti e garotas de programa. 

ISTOÉ - Com tantos projetos, dá para ter uma vida pessoal? 

José Junior - Gosto de ficar em casa, sou louco pelos meus cinco filhos. Quando estou longe, procuro nem ligar porque todos nós sofremos. Não me acho um bom pai porque sou ausente, nunca fui a uma reunião de escola. Eu dou muito mais preocupação para a minha mulher do que meus filhos. 

Ela tem que ser canonizada. Em casa, costumo mediar menos conflitos. Meu filho de dois anos foi brincar comigo e enfiou o dedo no meu olho, a unha dele feriu minha córnea e fiquei 48 horas sem enxergar. Imagina só: vivo metido na guerra, entre polícia e bandido, mas não consigo conter uma criança. (risos).ISTO É 

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