O soldado chega ao estabelecimento acompanhado de três pessoas. Busca o local mais reservado, olha ao redor e tira papelotes do bolso. Chama o grupo discretamente enquanto espalha o pó. Todos inalam as fileiras certos de estarem sozinhos. Mas são flagrados. Armado, o PM ameaça os guardas do lugar. A pistola calibre 38 não tem registro. Ele vai preso. Era 2011. Em janeiro último, foi expulso da corporação. Uma das três demissões do ano por fomento a um mercado assassino e contra o qual deveriam lutar por serem agentes de segurança.
Em consulta feita aos boletins internos emitidos pelo Comando da Polícia Militar cearense de janeiro de 2011 a 19 de outubro deste ano, O POVO localizou 18 citações de militares acusados de tráfico de drogas e/ou uso pessoal de entorpecentes. Foram inspecionados 449 documentos.
Em 2012, cinco casos foram julgados (três por uso pessoal e dois por tráfico) e resultaram em uma prisão e três expulsões (duas por uso pessoal e uma por tráfico). Uma punição ainda será definida. Em 2011, foram 13 processos (cinco por uso pessoal e oito por tráfico) que culminaram em uma prisão, três julgados incapazes de permanecer na PM, duas absolvições, seis expulsões e uma punição não divulgada.
O POVO solicitou o mesmo estudo à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário, mas foi informado de que a pasta não dispõe de um levantamento detalhado dos motivos pelos quais sofrem sanções os PMs cearenses condenados em processos administrativos.
Lideranças da categoria e estudiosos do tema denunciam ser bem maior o universo de militares dependentes químicos. “90% das LTS (Licença para Tratamento de Saúde) concedidas têm a ver com droga. Virou caso de saúde pública dentro da própria PM. É um problema para encarar de frente, mas o Comando não oferece ajuda e o Governo não tem interesse de dizer que sua Polícia está drogada. Desse jeito, a gente vai parar no caos”, projeta o presidente da Associação dos Praças da Polícia e Corpo de Bombeiros (Aspramece), Pedro Queiroz.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) não divulgou a quantidade de licenças cumpridas desde 2011. Levantamento da Aspramece indica, no entanto, terem sido 5.461 apenas de janeiro a setembro deste ano.
Conforme Queiroz, o vício da maioria é o crack pelo fato de a cocaína ser cara. “Tem companheiro que vai pra ‘boca’ e, enquanto o dinheiro não acaba e o traficante não o coloca na sarjeta, ele não sai. Já teve caso de policial que vendeu tudo e deixou a mulher só com a roupa do corpo. A tropa está doente e se acabando.”
“Encaminhamos vários colegas para clínicas. É um mal crônico, com caso de a esposa também virar dependente. São pessoas vencidas pela droga”, acrescenta o presidente da Associação de Cabos e Soldados, Flávio Sabino.
O comandante-geral da PM, coronel Werisleik Pontes Matias, admite a existência de militares em situação de dependência. Nega, entretanto, gravidade na situação. “90% de LTS por uso de droga é algo desconhecido nosso. Até porque vai contra tudo o que prega a Polícia. É incompatível com a função”, argumenta.
O coronel diz tomar medidas para a corporação “sair ilesa e o cidadão não ser prejudicado” com possíveis baixas no efetivo e, consequentemente, no policiamento de rua. De acordo com Werisleik, o gargalo identificado refere-se à dependência alcoólica - para a qual a PM dispõe de um Centro Psicossocial (que também acolhe pacientes adictos).
Estatísticas de atendimento não foram divulgadas. “Uma vez detectado, o PM é afastado imediatamente e encaminhado a esse centro. Independente disso, uma vez o PM se recuperando, ele vai responder administrativamente pelo fato de ter se envolvido com droga (seja por tráfico ou uso pessoal). Mas é uma situação sob controle.”
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